Guerrilha do Araguaia foi um movimento guerrilheiro existente na região amazônicario Araguaia, entre fins da década de 1960 e a primeira metade da década de 1970. Criada pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), uma dissidência armada do Partido Comunista Brasileiro (PCB), tinha como o objetivo fomentar uma revolução socialista, a ser iniciada no campo, baseado nas experiências vitoriosas da Revolução Cubana e da Revolução Chinesa. brasileira, ao longo do
Combatida pelo exército a partir de 1972, quando vários de seus integrantes já haviam se estabelecido na região há pelo menos seis anos, o palco das operações de combate entre a guerrilha e o Exército se deu onde os estados de Goiás, Pará e Maranhão faziam fronteira. Seu nome vem do fato de se localizar às margens do rio Araguaia, próximo às cidades de São Geraldo do Araguaia e Marabá no Pará e de Xambioá, no norte de Goiás (região onde atualmente é o norte do estado de Tocantins, também denominada como Bico do Papagaio).[1]
Estima-se que o movimento, que pretendia derrubar o governo militar, fomentando um levante da população, primeiro rural e depois urbana, e instalar um governo comunista no Brasil, era composto por cerca de oitenta guerrilheiros sendo que, destes, menos de vinte sobreviveram, entre eles, o ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), José Genoíno, que foi detido pelo Exército em 1972, ainda na primeira fase das operações militares. A grande maioria dos combatentes, formada principalmente por ex-estudantes universitários e profissionais liberais, foi morta em combate na selva ou executada após sua prisão pelos militares, durante as operações finais, em 1973 e 1974.[1] Mais de cinquenta deles são considerados ainda hoje como desaparecidos políticos.[2]
Desconhecida do restante do país à época em que ocorreu, protegida por uma cortina de silêncio e censura a que o movimento e as operações militares contra ela foram submetidos, os detalhes sobre a guerrilha só começaram a aparecer cerca de vinte anos após sua extinção pelas Forças Armadas, já no período de redemocratização.
O PCdoB chega ao Araguaia
Nos anos 60 do século XX, a região ao longo do qual corre o rio Araguaia era habitada por brasileiros em sua maioria vindos de outras regiões, principalmente do nordeste do país. Eram homens atrás de terras para o cultivo, garimpeiros atrás de pedras preciosas, caçadores atrás de peles de animais, migrantes procurando todo tipo de trabalho e riqueza que aquelas áreas virgens pudessem oferecer. Famílias inteiras, fugindo da seca nordestina, trabalhavam em fazendas por menos de um salário minimo. Muitos plantavam mandioca e castanha-do-pará, a maioria analfabetos e explorados pelos poucos proprietários de terra, grileiros do lugar. Era o local ideal, segundo o PCdoB, para o início de uma revolta popular.[3]
Ponto de partida de uma guerra sem data marcada para começar, a mata também servia para esconder opositores políticos procurados em todas as áreas urbanas do Brasil pela ditadura militar. A partir de 1967, os primeiros combatentes começaram a chegar a área, vindos do sul, sudeste e do Maranhão, onde já se haviam instalado, entre eles João Amazonas, o líder máximo do Partido, Elza Monnerat, Maurício Grabois, seu filho André Grabois, seu genro Gilberto Olímpio Maria, o médico João Carlos Haas Sobrinho e o gigante negro, engenheiro e campeão de boxe Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, entre poucos outros.
Entre 1967 e 1971, transformaram-se em habitantes locais, abrindo pequenos comércios, bares, prestando pequenos atendimentos médicos de casa em casa, fazendo partos, caçando, pescando, plantando, transportando pessoas e víveres em canoas, abrindo uma farmácia, dando aulas para moradores e fazendo propaganda política em pequenas reuniões, inseridos na pequena e humilde sociedade local. Eram chamados pelos caboclos de 'paulistas'.[3] Da primeira dezena que havia chegado em 1967/68, no começo da década de 1970 o grupo já contava de mais de sessenta militantes, homens e mulheres, vindos de diversos lugares do Brasil, quase todos jovens estudantes ou profissionais liberais, em preparação para uma revolução, que acreditavam, teria início ali.[3] Usando codinomes, eram 'Cid', 'Mário', 'João', 'Dr.Juca', 'Dona Maria', 'Dina', 'Baianinha', 'Regina', 'Sônia', 'Zeca Fogoió', 'Mariadina' e 'Cazuza', entre outros, para os moradores do Araguaia, na região entre XambioáMarabá. e
Não era até então uma guerrilha. Com poucas armas a poucos integrantes, a direção do PCdoB acreditava que com mais um ou dois anos de preparação, seria possível deflagar a guerra de guerrilha rural revolucionária que era uma linha política do Partido, adepto da luta armada, desde 1962. Uma fuga e uma prisão feita em Fortaleza, bem longe dali, entretanto, faria com que os serviços de inteligência das Forças Armadas tomassem conhecimento dos guerrilheiros do Araguaia, antes do previsto e desejado.
Preparação do Exército e da Guerrilha
Na época as Forças Armadas iniciaram um estudo para efetuar as operações antiguerrilha. Estas foram envolvidas de um planejamento executado em sigilo e que durou em torno de dois anos. Segundo os militares, era indesejável a eclosão de outros movimentos semelhantes em outras regiões do Brasil, pois isto ocasionaria uma eclosão de violência na região rural, o que poderia vir a gerar uma desestabilização do poder imposto. A preparação dos guerrilheiros do PC do B remonta ainda ao ano de 1964, quando os primeiros elementos iniciaram a formação político-militar na China, visto que o Partido adotou a linha de guerra popular prolongada de inspiração maoista, avesso as outras organizações de esquerda armada que advogaram o foquismo guevarista e se aproximaram de Cuba (como a ALN, MR-8, MOLIPO e VPR, esta também com apoio argelino).
Censura
Na época em que Emílio Garrastazu Médici era presidente do Brasil, as operações militares foram executadas de maneira sigilosa e era proibida a divulgação da existência de um movimento guerrilheiro no interior do país. Portanto, devido à censura, nunca foi autorizada a publicação de detalhes sobre a guerrilha e sempre se afirmou que os documentos da operação haviam sido destruídos. No entanto, durante as polêmicas ocasionadas no governo Lula em relação à abertura de arquivos do período militar, foi descoberto que boa parte dos materiais foi preservada (ver seção Documentos que restaram).
Ernesto Geisel, após assumir o comando do governo do Brasil, também não autorizou a divulgação da existência de tal guerrilha, ficando desta forma a população brasileira alheia ao conhecimento dessa movimentação. Por isso, a única menção feita por Geisel a respeito da existência de um movimento guerrilheiro no interior do Brasil se deu em 1975.
Mobilização
Para combater os 79 guerrilheiros do PC do B, houve a mobilização de cinco mil soldados brasileiros, em três fases distintas que se prolongaram até 25 de dezembro de 1974, data em que o movimento insurgente foi definitivamente extinto. Os soldados brasileiros que participaram das operações iniciais desconheciam a sua missão e foram comandados pelo general Antônio Bandeira.
Teatro de operações, comandantes militares e líderes guerrilheiros
Para preparar o teatro de operações, o comandante mandou construir uma rodovia com cerca de 30 km de extensão. Segundo os militares ela era necessária para que fosse executado o deslocamento de tropas. A área dominada pelos guerrilheiros abrangia em torno de sete mil quilômetros quadrados, indo da cidade de Xambioá até no sul do Pará, nas proximidades de Marabá.
O general Olavo Viana Moog exerceu o comando tático das operações e o general Hugo Abreu também comandou ações para pôr fim ao movimento.
Do lado da guerrilha, os principais comandantes foram Maurício Grabois e João Amazonas, que eram oriundos do PCB e que haviam sido presos na década de 1930 durante a imposição do Estado Novo.
Identidades e atividades preparatórias da guerrilha
Por uma questão de segurança do grupo, os guerrilheiros não tinham identificações. Seus nomes nunca eram revelados, usando desta forma nomes e identificações falsas. Sabe-se porém, que muitos eram estudantes e profissionais liberais que haviam participado de manifestações (passeatas) contra o regime na década de 1960. Sabe-se por relatos dos poucos que sobreviveram que muitos tinham sido torturados e presos anteriormente pelo regime por não concordar com uma ditadura comandando o Brasil, e por querer implementar o comunismo no Brasil, nos moldes do implementado em Cuba.
A utilização de identidades e nomes falsos pelo guerrilheiros, é um dos fatores que dificulta a localização de desaparecidos, pelo simples fato de não se ter certeza se estavam ou não na região à época.
Um dado importante é que a grande maioria dos guerrilheiros, em torno de 70%, eram oriundos da classe média, a famosa burguesia que tanto abominavam, que tinham profissões liberais como médicos, dentistas, advogados e engenheiros. Havia também bancários e comerciários.
Sabe-se que menos de 20% eram camponeses, e que estes eram recrutados na região do Araguaia. A quantidade de operários que participavam do movimento guerrilheiro mal chegava aos 10% do total. Em média, a idade predominante era em torno de trinta anos.
Na medida em que iam chegando à região, adquiriam a confiança dos moradores agindo como agricultores, farmacêuticos, curandeiros, pequenos comerciantes, donos de pequenas vendas de beira de estrada, além de outros tipos de ocupações comuns no interior do Brasil.
Nunca conversavam entre si, e nunca moravam próximos uns dos outros. Integravam-se às comunidades onde agiam, participando de todos os eventos, sendo desta maneira absorvidos por estas. Não atuavam e não influíam nas políticas locais, não se envolviam em discussões políticas para evitar o despertar de desconfianças. Suas atividades principais se baseavam no ensino do trabalho comunitário, voluntariado e assistencialismo. Quando podiam, ajudavam os moradores com medicina, odontologia, ajudavam nas escolas, davam aulas, ensinavam a população como organizar e realizar mutirões.
Agindo da forma descrita, aos poucos o grupo foi ganhando respeito e admiração da população local.
O desenvolvimento das operações
O Exército Brasileiro descobriu a localização do núcleo guerrilheiro em 1971 e fez três investidas contra os rebeldes. As operações de guerrilha iniciaram-se efetivamente em 1972, tendo oferecido resistência até março de 1974.
Em janeiro de 1975 as operações foram consideradas oficialmente encerradas com a morte ou detenção da maioria dos guerrilheiros.
Em 1976 ocorreu a chamada Chacina da Lapa quando foram executados os últimos dirigentes históricos do PCB. João Amazonas, na ocasião, se encontrava na Albânia.
A questão do Araguaia (guerrilha)
Em 1971, ocorreu uma manifestação concreta de ação militar no Brasil, onde o Exército Brasileiro enfrentou sua maior prova, na região de Xambioá, norte do antigo estado do Goiás, (hoje Tocantins). Lá formou-se um quadrante de ação operacional, seguido de encasamento de três divisões clássicas de combate pôr quadrantes menores, ou seja a formação de 3 pelotões de 21 soldados cada, divididos em três esquadras de sete soldados, totalizando 63 componentes.
O líder de cada grupo de sete soldados, desconhecia as ordens do comandante de pelotão de 21, que desconhecia a formação e identificação dos demais pelotões, assim a pirâmide de autoridade seguia uma linha de formação utilizada na guerra colonial da Argélia, perdida pelos franceses e pela legião estrangeira.
Esse tipo de ação, somado aos fato dos militares atuarem descaracterizados (em trajes civis, cabeludos e barbudos), ocasionava frequentes casos de confrontos entre patrulhas diferentes, com mortos e feridos por "fogo amigo".
Há que ser destacado que a operação realizada desta forma, com o emprego de pequenas frações de tropas, ocasionou poucas baixas no combates, principalmente na população civil.
A formação dos líderes principais era universitária (médicos e engenheiros), sendo desconhecida então pela inteligência do exército. Contudo, os guerrilheiros tratavam a ocupação valendo-se da linha de Ernesto Guevara, tentando conquistar a população com atitudes assistencialistas, posto que o estado era ausente na região.
Após um ano de atuação os grupos lá estacionados, já julgavam possuir condições de articulação da população em curto período com mobilização para defesas, baseadas nas táticas empregadas por Ho Chi Min no Vietnã e em Cuba, por Fidel Castro.
Ocorre que, contrariamente ao esperado, os guerrilheiros não encontraram o apoio necessário na população local, bem como de seus próprios pares em outras regiões do país, ficando praticamente isolados na selva, lutando quase sem recursos.
O trabalho da inteligência do exército foi bem executado, mas inicialmente faltaram os efetivos operacionais necessários à repressão, e aí começaram os problemas no país.
O chefe da agência do SNI na época General Carlos Alberto da Fontoura determinou o imediato fechamento da área e início das operações militares.
Porém, o que encontrou guerrilheiros e guerrilheiras que, há mais tempo instalados, conheciam a região. As tropas do governo, por sua vez, recorreram à orientação de "mateiros" nativos da região, que ajudaram na guia das patrulhas. Promoveram também ações assistencialistas para aliciar a população. Durante 14 meses, num jogo de gato e rato na selva, os guerrilheiros conseguiram se furtar à presença dos militares, em meio a choques esporádicos e baixas eventuais.
Em 1974 com ataques combinados, Forca Aérea, fuzileiros navais, fuzileiros da infantaria de selva, infantaria paraquedista, e comandos e forças especiais, a primeira grande ofensiva apresentou sucesso do lado do Exército Brasileiro, cujas tropas na ocasião foram lideradas pelo General Hugo Abreu, comandante da Brigada Paraquedista e veterano da Força Expedicionária Brasileira.
Todavia sabe-se que a ofensiva valeu-se de aproximadamente mil soldados da infantaria da Aeronáutica, fuzileiros navais, do Exército e policiais militares. A guerrilha cessou.
As manifestações regionais ocorridas no país a partir do confronto armado, no Araguaia passaram a exigir dos governantes, uma condição ainda mais acentuada de controle, tendo as policias militares estaduais, desempenhado esses papéis.
As baixas
Pelo lado do exército, estima-se que pereceram dezesseis militares. O balanço oficial à época, indicava sete guerrilheiros mortos. Em 2004, o Ministério da Justiça brasileiro contabilizava sessenta e um desaparecidos.
Segundo testemunhos, a maioria dos guerrilheiros capturados foi torturada antes de ser executada, e os seus corpos ocultados, numa espécie de operação limpeza promovida pelos militares a partir de 1975.
A operação limpeza
Sabe-se que, após 1975, foi realizada na região uma espécie de operação limpeza, com a finalidade de eliminar focos de militantes remanescentes na região. Os militares, para evitar a disseminação do movimento e mantê-lo encerrado em limites específicos, se utilizaram das chamadas táticas de combate à guerra revolucionária. Um dos métodos utilizados era o espalhamento de cartazes em diversos pontos das cidades, tais como bancos, aeroportos, terminais rodoviários etc. Os cartazes eram formados com retratos de opositores do regime procurados e com mensagens que incitavam a população a delatá-los. Normalmente, os cartazes possuíam fotografias dos procurados que eram integrantes dos grupos de ação armada.
Dentre os muitos nomes envolvidos na Guerrilha do Araguaia destaca-se o de Osvaldo Orlando da Costa, militante do PCdoB que chegou à região em 1966 com a missão de organizar a guerrilha rural.
Osvaldão era um dos guerrilheiros mais temidos na época, tendo participado de diversos roubos e assassinatos antes de chegar à região da guerrilha. Quando dos combates, foi o responsável pelas mortes de dois militares, bem como pelo "justiçamento" de companheiros seus acusados de traição ou em iminência de abandonar os combates.
Em 4 de fevereiro de 1974, enquanto abria uma trilha no mato, Osvaldão deparou-se repentinamente com uma patrulha do Exército, pela qual foi alvejado no peito com um tiro de espingarda calibre 12 disparado pelo guia-mateiro, no momento exato em que abria os braços para afastar a folhagem da sua frente. Em seguida, o corpo foi arrastado pela mata e içado de cabeça para baixo por uma corda presa a um helicóptero.
Dizem alguns que, para ter certeza de que "o morto estaria realmente morto", ao chegar a grande altura, teriam soltado e arremessado o corpo de Osvaldão ao solo, sendo em seguida apanhado, amarrado novamente à aeronave e levado para ser exibido aos camponeses como um troféu.
A ação judicial
Um processo foi instaurado contra a União, em 1982, por vinte e dois parentes de guerrilheiros, que por meio dele pediram à Justiça que o Exército brasileiro apresentasse documentos para que pudessem obter atestados de óbito.
Ocorre que, tendo os guerrilheiros atuado na clandestinidade, com nomes e documentos falsos, não foram localizados documentos comprobatórios dos óbitos.
Em 22 de julho de 2003, o Diário da Justiça publicou a decisão da juíza Solange Salgado, da 1ª Vara Federal do Distrito Federal, ordenando a quebra de sigilo das informações militares sobre a Guerrilha do Araguaia, dando um prazo de 120 dias à União para que fosse informado onde se encontram sepultados os restos mortais dos familiares dos autores do processo, assim como rigorosa investigação no âmbito das Forças Armadas brasileiras.
Em 27 de agosto de 2003, a Advocacia-Geral da União apelou da sentença que determinou de abertura dos arquivos, embora reconhecesse o direito dos autores de tentar localizar os restos mortais de seus familiares desaparecidos. Baseado em argumentos puramente processuais, especialmente questionando o curto prazo imposto na sentença para a apresentação de resultados, o recurso da AGU foi severamente criticado por organizações de defesa dos direitos humanos, familiares dos desaparecidos e por integrantes da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos.
Pressionado e sensibilizado, o governo Lula criou em 3 de outubro de 2003 uma comissão interministerial para localizar restos mortais. Esta comissão solicitou os documentos, sendo informada de que os mesmos não existiam.
Atualmente, após passar pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, o processo voltou à justiça de primeira instância para a fase de cumprimento de sentença. O processo está sob apreciação da Juíza Federal Solange Salgado.
Em abril de 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) que cuida da observância dos direitos humanos nos países pertencentes à organização, abriu uma ação contra o governo brasileiro por detenção arbitrária, tortura e desaparecimento de 70 pessoas - entre guerrilheiros, moradores da região e camponeses ligados à Guerrilha do Araguaia durante a ditadura militar brasileira.[4] Em dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos acatou a denúncia da CIDH e puniu o Estado brasileiro por utilizar a lei de anistia como pretexto para não julgar os oficias que infringiram a lei durante a repressão à guerrilha.
A Revista ISTOÉ, em sua edição número 1830 (3 de novembro de 2004), contraria o ponto comum nas versões dos ex-combatentes da guerrilha, dos que a perseguiram e do governo. Segundo eles, nenhum documento da guerrilha teria sobrevivido. No entanto, são publicados, com exclusividade, trechos de documentos que comprovam a guerrilha. Fichas de guerrilheiros e listas de nomes dos envolvidos, dentre outros materiais, vieram a público, trazendo à tona um assunto de que advogados das vítimas torturadas e pesquisadores do período já possuíam amplo conhecimento, apesar de nunca terem provas. Boa parte dos arquivos da ditadura militar sobreviveu, bem mais do que o admitido pelo Governo. Tantos que, passados mais alguns meses, possibilitaram a publicação do livro Operação Araguaia: os arquivos secretos da guerrilha.
A lista abaixo reúne os integrantes conhecidos da Guerrilha do Araguaia. Nos parênteses os codinomes pelo quais eram conhecidos, batizados pela guerrilha ou dados pelos moradores da região.
- João Amazonas (Velho Cid) - integrante do PCB desde a década de 1930 e um dos fundadores e secretário-geral do PCdoB, era o teólogo da guerrilha, e responsável pela ligação entre os guerrilheiros na selva e a direção em São Paulo. Entrou e saiu diversas vezes na área do Araguaia durante o período, transportando militantes, dinheiro e orientações políticas, indo para o exílio na Albânia após o aumento da repressão militar na área, que impediu sua movimentação. Voltou ao Brasil após a Anistia e morreu aos 90 anos, em 2002.
- Elza Monnerat (Dona Maria) - integrante da direção do PCB, fazia com Amazonas a ligação entre o Araguaia e o sul do país. Responsável pelo transporte de diversos militantes até o local da guerrilha e uma das primeiras a se instalar no Araguaia, durante os preparativos para a criação do núcleo guerrilheiro, voltou à clandestinidade urbana após o aumento da repressão militar na área, que a impediu de retornar à região do conflito, como Amazonas. Presa em fins de 1976 e libertada com a Anistia, morreu em 2004.
- Maurício Grabois (Mário) - Membro da cúpula do PCdoB, integrante da Comissão Militar do Partido e comandante-em-chefe dos guerrilheiros do Araguaia. Foi morto numa emboscada na selva em dezembro de 1973. Seu corpo nunca foi encontrado e sua morte jamais admitida pelo Exército. É dado como desaparecido.
- Ângelo Arroyo (Joaquim) - membro da cúpula do PCdoB e militante comunista desde 1945, foi um dos líderes da guerrilha, integrante da Comissão Militar. Foi um dos dois únicos guerrilheiros que escaparam vivos do Araguaia, depois da última campanha militar que exterminou a guerrilha, fugindo a pé para o Piauí atravessando a selva e dali para São Paulo. Foi fuzilado em dezembro de 1976 por agentes do Doi-Codi numa casa no bairro da Lapa, em São Paulo, onde se realizava uma reunião do Comitê Central do PCdoB, no episódio conhecido como Chacina da Lapa.
- Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão) - o mais carismático e temido guerrilheiro do Araguaia, negro, forte, 1,98 m e ex-campeão carioca de boxe, considerado mítico pelos moradores do Araguaia, foi morto num encontro com uma patrulha militar em janeiro de 1974. Seu corpo foi pendurado num helicóptero e mostrado em sobrevoo pelos povoados da região. Decapitado, foi enterrado em lugar desconhecido. É considerado desaparecido político.
- Líbero Castiglia (Joca) - Italiano, foi o único estrangeiro que participou da guerrilha. Com treinamento militar na China, era ligado ao Destacamento A e fazia a segurança da comissão militar da guerrilha. Foi um dos primeiros militantes a chegar à região do Araguaia. É dado como desaparecido desde o ataque do exército ao comando guerilheiro, no Natal de 1973.
- André Grabois (Zé Carlos) - Filho de Maurício Grabois e vivendo na clandestinidade desde os 17 anos por causa da perseguição ao pai, foi comandante do destacamento A da guerrilha. Morreu em combate junto a outros três guerrilheiros, durante tiroteio com patrulha do exército em outubro de 1973, após caçarem porcos-do-mato. Seu corpo nunca foi encontrado, é dado como desaparecido.
- Bergson Gurjão Farias (Jorge) - Ex-estudante de Química da Universidade Federal do Ceará, e sub-comandante do Destacamento C da guerrilha, sob o codinome de 'Jorge', foi o primeiro guerrilheiro a ser morto em combate no Araguaia. Ferido a tiros de metralhadora numa emboscada, foi morto a golpes de baioneta dias depois numa instalação militar de Marabá em maio de 1972. Dado como desaparecido politico por trinta anos, seus ossos foram identificados por exames de DNA em 2009, após exumação do cemitério de Xambioá.
- João Carlos Haas Sobrinho (Dr. Juca) - médico formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, chegou ao Araguaia vindo do Maranhão onde morou com alguns dos principais líderes da guerrilha e atendia a população. Respeitado pelos caboclos locais pelo auxílio que prestava na área da saúde de Marabá e Xambioá, o comandante médico-militar foi morto em combate em 30 de setembro de 1972. Seu corpo nunca foi encontrado e é dado como desaparecido político.
- Dinalva Oliveira Teixeira (Dina) - Geóloga formada pela Universidade Federal da Bahia, popular no Araguaia como parteira e temida pelos militares pela coragem física e por ser exímia atiradora, foi a mais famosa das guerrilheiras, lendária entre os moradores da região. Única mulher a ser sub-comandante de destacamento de combate, foi presa já no fim da guerrilha, em julho de 1974, e assassinada a tiros por agentes militares do CIEx. Seu corpo nunca foi encontrado e é dada como desaparecida.
- Helenira Resende (Fátima) - ex-estudante de Filosofia da USP e vice-presidente da UNE, no Araguaia conquistou o respeito dos demais pela coragem física e determinação. Morreu em combate em setembro de 1972, metralhada nas pernas em troca de tiros com soldados do exército e morta à baioneta depois. O respeito que gozava no meio dos companheiros fez com que a partir de sua morte um dos destacamentos da guerrilha passasse a ter o seu nome.
- Micheas Gomes de Almeida (Zezinho) - Filho de camponeses, ex-operário e veterano comunista, é o único guerrilheiro sobrevivente do Araguaia a nunca ter sido preso. Melhor guia e conhecedor da selva entre todos os guerrilheiros, fugiu da região guiando Ângelo Arroyo até o Maranhão, durante os últimos dias de aniquilamento da guerrilha. Vivendo com identidade trocada e anônimo em São Paulo por mais de 20 anos, dado como desaparecido, reapareceu nos anos 90. Mora em Goiás.
- Maria Lúcia Petit (Maria) - ex-professora primária, participou da guerrilha com os irmãos mais velhos. Morta em junho de 1972 numa emboscada, seus restos mortais foram identificados em 1996. Junto com Bergson Gurjão, são os dois únicos guerrilheiros mortos e identificados posteriormente. Foi enterrada em Bauru, São Paulo.
- Dinaelza Santana Coqueiro (Mariadina) - ex-estudante de Geografia da PUC de Salvador, chegou o Araguaia em 1971 com o marido, Vandick Coqueiro e Luzia Reis. Integrante do destacamento C, foi executada por agentes do CIEx em abril de 1974, após ser vista presa na base de Xambioá. É dada como desaparecida.
- José Genoino (Geraldo) - Membro do PCdoB desde 1966, com 20 anos, ex- presidente do Diretório Central dos Estudantes daUniversidade Federal do Ceará, chegou ao Araguaia em 1970. Foi um dos primeiros presos pela ofensiva militar na área, um 1972. Foi torturado e cumpriu pena até 1977. Tornou-se o nome mais conhecido da guerrilha nos anos seguintes, elegendo-se deputado federal diversas vezes pelo Partido dos Trabalhadores. Casou-se com a guerrilheira Rioko Kayano, a quem conhecia desde 1969 mas começou a namorar na prisão.
- Luzia Reis (Baianinha) - ex- militante do movimento estudantil de Salvador, chegou ao Araguaia em janeiro de 1972 e fez parte do destacamento C. Primeira guerrilheira a ser presa, após uma emboscada, foi torturada na base de Xambioá e transferida para Brasília, onde cumpriu dez meses de prisão. Solta, abandonou a militância e o Partido. Vive em Salvador, aposentada do serviço público.
- Glênio Sá (Glênio) - Ex-aluno de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, chegou à guerrilha em 1970 e foi preso em 1972, traído por um camponês, depois de dois meses perdido na mata, após um tiroteio. Morreu em 26 de julho de 1990 num acidente de automóvel, quando fazia campanha para o senado no Rio Grande do Norte.
- Suely Kanayama (Chica) - Ex-estudante da Letras na USP, baixinha e magrinha, chegou ao Araguaia em fins de 1971 e passou a integrar o Destacamento B. Apesar da frágil compleição física, foi das que mais se adaptou à vida na selva e uma das últimas guerrilheiras a morrer. Audaciosa e com treinamento de tiro e sobrevivência na selva, cercada por uma patrulha do exército no início de 1974 recusou rendição, atirou ferindo um policial e morreu metralhada por mais de 100 tiros, fato que chocou até integrantes do Exército. Consta como desaparecida política.
- Lúcia Maria de Souza (Sônia) - ex-estudante da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, deixou o curso no 4º ano devido às atividades políticas e entrou na clandestinidade. Participante do destacamento A, o episódio de sua morte é o mais célebre da história da guerrilha, onde feriu dois oficiais do exército antes de morrer, um deles o notório Major Curió. É oficialmente desaparecida política.
- Adriano Fonseca Filho (Chico) - ex-estudante de Filosofia da UFRJ, chegou ao Araguaia em abril de 1972. Integrante do Destacamento B, foi morto a tiros por mateiros de patrulhas do exército em 3 de dezembro de 1973, na última fase das operaçãos militares, quando caçava jabutis na mata para alimentação. Foi decapitado e enterrado em local desconhecido. Permanece como desparecido político.
- Luiza Garlippe (Tuca) - ex-enfermeira doHospital das Clínicas, chegou no Araguaia com o companheiro Pedro Alexandrino (Peri). Integrou-se ao Destacamento B, na área da Gameleira e substituiu João Carlos Haas Sobrinho depois da morte deste, como comandante-médica. Presa em julho de 1974 junto com 'Dina', foi executada a tiros pelo CIEx.
- Criméia Schmidt de Almeida (Alice) - ex-estudante de enfermagem da UFRJ, foi para o Araguaia em 1969 onde tornou-se companheira de André Grabois, comandante do Destacamento A. Engravidou em 1972 e com problemas na gestação foi levada para São Paulo. Presa na cidade em dezembro, foi torturada e teve o filho no Hospital do Exército, em Brasília. Hoje participa da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
- Jaime Petit - engenheiro e irmão mais velho da família Petit, foi morto em combate em dezembro de 1973. Decapitado, seu corpo nunca foi encontrado. É dado como desaparecido político.
- Lúcio Petit (Beto) - engenheiro e irmão do meio da família guerrilheira Petit, foi preso durante a aniquilação final da guerrilha no começo de 1974. Visto pela última vez amarrado a bordo de um helicóptero do exército, é dado como desaparecido político.
- Antônio Carlos Monteiro Teixeira (Antônio da Dina) - Geólogo baiano e militante do PCdoB, marido de 'Dina' - de quem se separou durante a guerrilha - chegou ao Araguaia em 1970 e integrou-se ao destacamento C. Conhecedor da mata, era o instrutor de orientação na selva dos militantes recém chegados à região. Morto em combate em 21 de setembro de 1972, na primeira fase das operações anti-guerrilha.
- Jana Moroni (Regina) - cearense, ex-estudante de biologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, chegou ao Araguaia em abril de 1971, com apenas 21 anos. Trabalhou como professora primária e agricultora. Casou-se na guerrilha com Nelson Piauhy (Nelito), dava aulas de tiro e fez parte do Destacamento A. Oficialmente desaparecida em 2 de janeiro de 1974 junto com mais dois guerrilheiros, foi vista presa e ferida na base militar em Bacaba.
- Áurea Valadão (Elisa) - Ex-estudante de Física da UFRJ, foi para a guerrilha com o marido Arildo Valadão em 1970, integrando o destacamento C. Aprisionada por mateiros a serviço dos militares no começo de 1974, doente, faminta e em farrapos, sua morte consta em relatório da Marinha como 13 de junho de 1974. É dada como desaparecida política.
- Arildo Valadão (Ari) - Ex-estudante de Física da UFRJ, onde conheceu a mulher, Áurea, chegou ao Araguaia em 1970 com a mulher, integrando o destacamento C. Foi assassinado e decapitado por um mateiro amigos dos guerrilheiros que se passou para o lado dos militares, em 23 de outubro de 1973. Seu corpo nunca foi encontrado.
- Carlos Danielli (Antonio) - Integrante do quadro dirigente do PCdoB, fazia a ligação entre a área rural e urbana do partido. Morreu sob torturas ao ser preso na OBAN em São Paulo, em 31 de dezembro de 1972.
- Paulo Mendes Rodrigues (Paulo) - Economista e comandante do destacamento C, morreu em combate no dia de Natal de 1973 junto com o comandante geral da guerrilha, Maurício Grabois. Seu corpo nunca foi encontrado.
- José Humberto Bronca (Zeca Fogoió) - Ex-mecânico de aviões da VARIG no Rio Grande do Sul, foi um dos militantes do PCdoB enviado para treinamento de guerrilha na Academia Militar de Pequim. Chegou ao Araguaia em 1969, onde foi o vice-comandante do destacamento B e depois integrante da Comissão Militar da guerrilha. Último integrante da CM a ser preso, delatado por um camponês a quem pediu ajuda, subnutrido e cheio de ulcerações provocadas por picadas de mosquitos, foi executado e dado como desaparecido em março de 1974.
- Kleber Lemos da Silva (Carlito) - economista carioca, integrou o destacamento B. Emboscado com primeiro grupo a ser desbaratado pelas tropas do exército, pediu aos companheiros que o deixassem durante a fuga, impedido de caminhar por uma fístula de Leishmaniose na perna. Delatado por um camponês, foi preso pelos fuzileiros navais 26 de junho de 1972 e executado três dias depois. Seu cadáver foi fotografado e a foto divulgada anos depois. Seu corpo nunca foi encontrado e é dado como desaparecido.
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