A sanção da Lei Maria da Penha significa mais um importante capítulo na luta pela emancipação da mulher no país. Segundo a secretária da Questão da Mulher do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Liège Rocha, o enfrentamento à violência ainda é uma das prioridades da agenda dos movimentos de mulheres no Brasil e no mundo.
Por Mariana Viel
Ela explica que cinco anos após a sanção da Lei nº11.340, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos principais desafios é não deixar arrefecer a importância de sua implementação. “É fundamental que ela seja garantida. Temos que fazer o balanço de que é necessário avançar e exigir que o país efetive sua aplicação”.
Para Liège, é necessário o desenvolvimento de campanhas sistemáticas de sensibilização em escolas, empresas e na sociedade como um todo. “Não vemos mais na televisão campanhas de enfrentamento à violência contra a mulher, como aquelas que foram feitas há alguns anos. Também precisamos intensificar a capacitação dos profissionais envolvidos nesses serviços. A Lei Maria da Penha tem um aspecto educativo na medida em que discute os tipos de violência, o fim da impunidade, e as agressões como um mal social que precisa ser combatido”.
Um dos grandes destaques do processo de elaboração da lei foi a realização de uma série de audiências e consultas públicas com diversos setores da sociedade para se discutir o tema. “A lei possibilitou uma discussão com toda a sociedade. A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) foi a relatora na Câmara dos Deputados e propiciou audiências públicas de Norte a Sul do Brasil. A lei foi construída num processo de consulta, de mobilização do movimento”, enfatiza.
A secretária comunista da Questão da Mulher – que na época da elaboração do projeto que se transformou na Lei Maria da Penha atuava na Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República – lembra que acompanhou pessoalmente algumas dessas reuniões. Ela explica que durante o processo foram ouvidos juízes, delegados, profissionais da área da Justiça e membros do movimento feminista.
Políticas públicas
Do ponto de vista das políticas públicas brasileiras, as questões que mais avançaram nos últimos anos foram exatamente aquelas que tiveram maior mobilização do movimento de mulheres, como a saúde e a violência. Liège diz que o enfrentamento à violência caminha de forma crescente no país.
“Na época do surgimento da primeira delegacia da mulher, em 1985, se tratava muito a questão da violência no âmbito da segurança pública. Na Conferência Internacional dos Direitos Humanos, em 1993, em Viena, a questão da violência passou a ser vista no âmbito dos direitos humanos das mulheres”.
Nessa trajetória, ela ressalta ainda a construção da rede de atendimento às vítimas de violência. “Inicialmente tínhamos as delegacias, depois os centros de referências e as casas abrigos. Posteriormente, vimos que esses equipamentos, isoladamente, não possibilitavam o enfrentamento da violência. Foi proposta a criação de uma rede de atendimento às mulheres em situação de violência que envolvia, do ponto de vista federal, os vários ministérios e do ponto de vista dos estados e municípios, as várias secretarias de uma forma integrada. Mais recentemente, tivemos o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. A Lei Maria da Penha que hoje completa cinco anos é um instrumento que mostra o quanto evoluímos”.
Punições
Entre os pontos positivos da lei está a tipificação da violência contra a mulher e a punição dos agressores. Ela possui a conotação de deixar de tratar a violência como uma questão natural, ou apenas do privado, para transformá-la em uma questão pública e de responsabilidade do Estado.
“A questão da violência era tratada como uma coisa natural e na maioria dos casos o agressor não era punido. Além de tipificar a violência, a lei trata da implementação de serviços para além das delegacias, dos centros de referências, das casas abrigos – o que é uma forma de se criar um arcabouço jurídico e de aparelhos para se enfrentar a situação”.
Direitos
Ao mesmo tempo em que determina a punição dos agressores, a lei assegura o direito das vítimas. Se no passado as mulheres que sofriam violência tinham que deixar suas casas para buscar segurança em abrigos, atualmente elas têm sua permanência domiciliar garantida.
“É claro que as casas abrigo são um serviço importante, mas de certa forma a obrigação das mulheres abandonarem seus lares era uma penalização. A Lei Maria da Penha garante a permanência das mulheres nas suas casas e determina uma distância para que o agressor não se aproxime dela. Em vez de tirar a mulher de seu ambiente, quem é afastado é o agressor”.
Críticas
As maiores críticas sobre a lei dizem respeito à debilidade de sua implementação. “Em alguns lugares as próprias delegacias estão desestruturadas, não funcionam 24 horas e nos finais de semana. O agressor não escolhe hora para bater na mulher e ela fica desamparada porque não existe um funcionamento adequado”.
Outro ponto é a criação dos juizados especiais, que possibilita a agilização dos processos. Nesse contexto, os avanços advindos ao enfrentamento à violência, do ponto de vista da legislação, não correspondem à realidade dos serviços oferecidos em algumas regiões do país. “A bandeira que levantamos há alguns anos ‘Não basta só na lei, mas tem que ser na vida’ também é real para a Lei Maria da Penha. Ainda precisamos avançar na garantia do funcionamento desse atendimento às mulheres e no próprio fim da impunidade”.
Liège lembra ainda que o combate à violência contra as mulheres não é uma questão simples. Ela envolve uma série de fatores do ponto de vista da relação da afetividade, muitas vezes da dependência econômica, e a intimidação em denunciar o pai dos próprios filhos. “Por isso falamos da importância do centro de referência no atendimento multidisciplinar da mulher, porque sabemos que ela sozinha não tem condição de se livrar desse tipo de violência. Tudo isso está dentro do contexto de opressão da vida das mulheres, que não é uma coisa simples de ser resolvida de uma hora para outra”.
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