Poucas vezes encontrei revolucionários marxistas mais
autênticos, mais firmes e mais preparados ideologicamente para a
exposição e defesa dos objetivos, estratégia e tática da sua organização
08/02/2013
Miguel Urbano Rodrigues
É
inocultável hoje que o governo de Juan Manuel Santos não está
interessado em que as conversações de paz de Havana atinjam o objetivo
do acordo esboçado em Oslo com o patrocínio da Noruega e de Cuba.
Esforça-se, pelo contrário, para impedir que elas conduzam ao fim do
conflito e à paz desejada pelo povo colombiano.
O
chefe da delegação de Bogotá, Humberto de la Calle, levanta
repetidamente pretextos para ameaçar o fim das conversações, impedindo
que a discussão dos itens da agenda avance.
A
captura, supostamente pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia –
Exército Popular (FARC-EP), de dois policiais no Departamento del Valle
foi o último desses pretextos.
Cabe lembrar que a
organização revolucionária declarou unilateralmente, em 20 de novembro
do ano passado, uma trégua durante a qual suspendeu todas as operações
ofensivas. Optou Santos por um gesto similar? Não. A sua resposta foi
uma intensificação da guerra pelo aparelho militar do governo – hoje com
500.000 homens –, o maior e melhor armado da América Latina. Toneladas
de bombas foram lançadas desde então sobre os acampamentos
guerrilheiros. Perante a situação criada, as FARC, transcorridos os dois
meses da trégua, retomaram o combate interrompido.
O
governo, com o apoio da mídia, acusou-as imediatamente de comprometerem
o bom andamento das conversações de paz. Para confundir a opinião
pública, no país e no estrangeiro, o Exército e o ministro da Defesa,
Juan Carlos Pinzon, recorrem a uma linguagem dupla.
Quando
o Exército prende guerrilheiros, os militares e a imprensa informam que
foram “capturados em combate”. Mas, quando elementos das Forças Armadas
oficiais são aprisionados pela guerrilha, o governo, a TV e os jornais
afirmam que “militares e policiais foram sequestrados covardemente pelos
narcoterroristas (ou bandoleiros e assassinos) das FARC”.
Humberto
de la Calle, despejando insultos sobre as FARC, inverte os papéis,
responsabiliza-as pela estagnação das conversações de paz, e diz que
elas “estão enganadas se acreditam que com este tipo de ações vão
obrigar o governo a um cessar-fogo bilateral”.
Desmontando
a mentira e a hipocrisia oficial, as FARC colocaram os pontos nos 'is'
num breve comunicado em que esclareceram: “As FARC-EP comprometeram-se a
não empreender novas ações de caráter econômico. Embora se mantenha a
vigência da lei 002, que se refere ao nosso financiamento, reservamo-nos
o direito de capturar como prisioneiros de guerra os membros da força
pública que se rendem em combate. O seu nome é 'prisioneiros de guerra',
e este fenômeno ocorre em qualquer conflito mundial”.
Numa entrevista publicada pelo Diário.info, em 30 de janeiro, o escritor Carlos Lozano, diretor do semanário Voz,
órgão do Partido Comunista Colombiano, denuncia a má-fé dos
representantes do governo nas conversações de Havana e a campanha que
apresenta a Colômbia como um país democrático. As eleições “à
colombiana” - esclarece - realizam-se “sob as condições e vantagens da
oligarquia dominante. Por isso, temem as reformas, não aceitam modificar
as regras da política, porque são as suas regras”.
Neste
contexto, é transparente que o governo de Bogotá faça tudo para impedir
que o processo de paz avance. O presidente Juan Manuel Santos, numa
pirueta inesperada, aceitou iniciar conversações de paz, sob a pressão
popular, porque está trabalhando para a sua reeleição, aliás
problemática. Foi uma jogada política.
A
oligarquia, o exército e Washington estão empenhados no prosseguimento
da guerra. Dirigindo-se recentemente aos seus generais, Santos usou uma
linguagem agressiva, esclarecedora do seu pensamento: “todos sabem que
têm de triplicar o número de ações até terminarmos esta guerra pelas
boas ou pelas más”.
O comandante Ivan Marquez,
chefe da delegação das FARC, arrancou a máscara de Juan Manuel Santos
numa conferência de imprensa, em Havana, no dia 1 fevereiro. Lembrou que
o governo recusou todas as sugestões apresentadas pelas FARC para
dinamizar a agenda no espírito do acordo de Oslo.
Santos respondeu com um NÃO rotundo às seguintes propostas:
- a realização em território colombiano das conversações para a paz;
- a inclusão do comandante Simon Trinidad como membro da delegação das FARC;
-
discussão de um cessar-fogo bilateral com a participação do ministro da
Defesa e do general Alejandro Navas, comandante chefe das Forças
Armadas;
- A “regularização” da guerra, ou seja, a sua humanização;
- a participação da cidadania nas conversações para a paz;
- prioridade para o debate amplo e profundo da questão agrária com a presença do ministro da Agricultura;
- a convocação de uma Assembleia Constituinte.
Temos a imagem do governo, da oligarquia e das Forças Armadas nos “não” de Santos.
Balanço positivo
Seria,
portanto, uma ilusão romântica crer que o desfecho do processo de paz
de Havana será um acordo que abra a porta ao fim do conflito.
O
governo de Bogotá, em período pré-eleitoral, tenta ganhar tempo e
atenuar a combatividade das massas simulando uma abertura ao diálogo. A
história não se repete da mesma forma. Mas tudo indica que, em data
ainda imprevisível, imitará o ex-presidente Pastrana, quando este rompeu
em fevereiro de 2002 as negociações com as FARC em El Caguan e invadiu a
zona desmilitarizada.
A transparência do plano
de Juan Manuel Santos torna pertinente a pergunta formulada por muitos
dos que acompanham os diálogos de Havana, incluindo gente solidária com o
combate das FARC. Valeu a pena iniciar estas negociações armadilhadas? É
minha convicção que o balanço é muito positivo.
O
interesse suscitado pelas conversações de Havana e o prólogo de Oslo
permitiram que a voz da guerrilha chegasse a milhões de pessoas em
dezenas de países. Em conferências de imprensa, em entrevistas e
artigos, dirigentes, como os comandantes Ivan Marquez, Rodrigo Granda,
Jesus Santrich e outros, projetaram a imagem real das FARC e da sua
organização revolucionária, incompatível com a perversa caricatura que
delas exportam Santos e os seus generais.
Tive a
oportunidade de conhecer alguns desses combatentes das FARC. E reafirmo o
que deles escrevi: poucas vezes encontrei revolucionários marxistas
mais autênticos, mais firmes, mais preparados ideologicamente para a
exposição e a defesa dos objetivos, estratégia e tática da sua
organização, que se assume como partido.
As FARC
apelaram, agora, mais uma vez à União Europeia para que retire o seu
nome da lista de organizações terroristas, indesculpável erro cometido
por pressão de Washington e do ex-presidente Uribe Vélez. Culpado de
terrorismo de Estado, inventor do paramilitarismo e cúmplice do
narcotráfico foi o governo fascista de Uribe.
Como
português sinto amargura e vergonha por Juan Manuel Santos ter sido
recebido em Lisboa com honras especiais e elogiado como chefe de um
Estado democrático.
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