Fevereiro de 2013. Causou espanto o pedido de aposentadoria, aos
85 anos de idade, do “papa” de Roma, o alemão Joseph Ratzinger, ex-chefe da
Inquisição. Um fato raríssimo, ocorrido poucas vezes desde que surgiu a
excrescência do cristianismo chamada “papado”. Num momento em que os movimentos
pela igualdade de direitos fazem cada vez mais barulho, seria de se questionar
por que a “santa igreja” não permite, por exemplo, o sacerdócio feminino. Mas, ainda
que queira se apresentar como moderna e se desfazer de sua imagem medieval, Roma
ainda resiste a coisas hoje corriqueiras em outros campos, como a globalização.
Se o catolicismo fincou pé em todos os continentes, por que resistem à escolha
de um “papa” não-europeu? B16 já foi um milagre, pois foi o segundo não-italiano
em mais de 500 anos (o primeiro foi seu antecessor JP2, polonês). Agora, “papa” argentino ou brasileiro soaria como sacrilégio na Capela Sistina. “Papa” de cor
negra então seria “o apocalipse”.
Mas o que tentam apagar da história
é que pelo menos uma mulher já teria ocupado o trono do Vaticano: a chamada “papisa”
Joana, uma das figuras mais controversas da História. Ao longo dos séculos
muitos negaram a sua existência; contudo, é considerável o número de documentos
que atestam o seu reinado em
Roma. Se de fato existiu, terá sido um feito extraordinário,
digno de Hollywood: ter ocupado um lugar a que só homens tinham (e têm)
acesso. Na “Idade das Trevas”, as mulheres quase não tinham direitos e poucas
podiam estudar, porque se cria que eram incapazes de pensar. E em mais uma
prova de que a igreja católica permanece na Idade Média, ainda relegam as
mulheres a meras serviçais.
Em todo caso, o relato diz que,
no ano 814, em Engelheim, Alemanha, nasceu a filha de um cônego inglês que logo
deu mostras de inteligência privilegiada. Aprendeu a ler e a escrever, às escondidas,
com seu irmão Mateus. O tutor do menino, depois que o garoto morreu, ensinou à
menina latim e o grego, e ao partir, prometeu ajudá-la a continuar os estudos. Meses
depois o pai de Joana recebeu uma carta do bispo, ordenando-lhe que lhe enviasse
a menina. No palácio episcopal, Joana enfrentou rejeição do reitor, que não
queria uma menina na escola; mas, por sua inteligência e pela insistência
do bispo, foi aceita. Como Joana não poderia ficar instalada junto aos rapazes,
o bispo determinou que fosse enviada à casa de um cavaleiro seu amigo, onde
ficaria alojada.
Entretanto, enfadada dos
estudos, Joana resolveu fugir; assumiu uma identidade masculina e entrou para
um mosteiro com o nome de Johannes Anglicus (João Inglês). Ali, com a biblioteca à sua disposição, aprofundou-se nos
estudos religiosos e clássicos, tornando-se extremamente culta e erudita.
Aprendeu os rudimentos da medicina da época e por fim foi chamada a Roma, para
tratar da saúde do “papa” Leão IV. Sempre disfarçada de homem, ganhou prestígio
e respeito entre os dignitários da igreja. Foi nomeada “secretário da Cúria” e,
depois cardeal.
Com
a morte do “papa” Leão IV (17 de julho de 855),
acabou eleita “papa” e adotou o nome de João VIII, sendo um “papa” discreto que
quase não aparecia em
público. Mas certo dia, durante uma procissão, montada num
cavalo e à frente do cortejo, como era o costume da época, Joana sentiu-se mal
e caiu. Entre dores, sangue e lágrimas, deu à luz uma criança. Os cardeais,
atordoados, gritaram: “Milagre!
Milagre!”. Na verdade, o “milagre”
de um “papa” parir explica-se: ao saber da fuga de Joana, o cavaleiro
amigo do bispo não cessou de a procurar, encontrando-a, anos
depois, em Roma. Apaixonaram-se; passaram a se encontrar às escondidas, e
o bebê seria
filho desse cavaleiro.
A partir daí os relatos
divergem. Segundo alguns, a multidão apedrejou Joana e a criança até à morte,
por ter profanado o trono. Para outros, mãe e filho foram encarcerados até ao
fim dos seus dias. Outra versão seria que ambos morreram de complicações do
parto.
Uns dizem que Joana nasceu no oriente, em Constantinopla talvez, com o
nome de Giliberta, e vestia-se de homem para estudar filosofia e teologia. Depois
de algum tempo, sob disfarce, impressionara tanto os doutores da igreja católica
com sua sabedoria que foi escolhida para o trono papal. Essa mesma versão
também conta que Joana havia se apaixonado por um guarda suíço e engravidara
dele.
Outra
vertente é de que Joana seria na verdade
um eunuco, que por ser castrado não foi eleito, mas rotulado de “mulher” e assim
impedido de ocupar o trono.
Já
outra versão
diz que Joana casou-se com um
monge na Grécia, onde teria se vestido de homem para não escandalizar o
povo, pois os padres não podiam se casar (veja que não mudou nada).
Sob o pseudônimo Johannes Anglicus, fingia ser um apenas discípulo;
depois tornou-se monge, e depois cardeal. Após a
morte de Leão IV, ficou com a vaga do defunto. Nessa versão ela também
engravida, e a
justificativa de ninguém descobrir é que a túnica era larga o suficiente
para esconder
a barriga.
Verdade ou lenda? Se considerarmos o poder da igreja católica naqueles tempos, e que os
historiadores eram padres, é fácil compreender por que suprimiram esse “papado”
quase três anos: depois de Leão IV já aparece Bento III. E em 872 nomearam
outro “papa” com o mesmo nome da “papisa” (“João VIII”).
Mas outros fatos dão força à história:
- Em 1276, o “papa” João XX, após rigorosa investigação, mudou o seu nome
para João XXI, reconhecendo, assim, o “papado” de Joana;
- Existiu também, entre os diversos bustos papais de terracota na
Catedral de Siena, um da “papisa”. Por determinação do “papa” Clemente VIII,
sumiram com ele em 1601.
- Exatamente a partir do ano 857, data da morte
da “papisa”, até ao século XIX, era usada uma cadeira com um buraco no assento,
usada nas cerimônias da consagração de um novo “papa”. O recém-eleito
sentava-se e era feito um exame palpável para se determinar se era, de fato, do
sexo masculino. Só então o camerlengo
anunciava “Habemus papam” (“temos um
papa”). Essa cadeira ainda existe em Roma, não podendo a igreja católica negar
a sua existência.
Evidentemente que os católicos insistirão
que isto é apenas uma lenda para difamar a sua “santa igreja”. O chororô é antigo. Barônio considera
a “papisa” um monstro que os “heréticos” evocaram do inferno. Um tal padre Labbé
acusou os protestantes de serem os inventores da história; mas tendo Joana
subido à “santa sé” 500 anos antes do nascimento do primeiro reformador,
seria-lhes impossível tal invenção. E Mariano, que escrevera sobre a “papisa” muito
antes, não poderia estar citando algum reformador. Florimundo Raxmond comparou Joana, na mesma época, a um enviado do céu para punir a igreja
romana, cujas abominações provocaram a cólera de Deus.
Muitos outros escritores descrevem o
episódio: veja mais aqui.
Um dos sinais mais interessantes da existência de
Joana é um decreto riscando seu nome do catálogo dos “papas”. Genebrardo,
arcebispo de Aix, afirma que a “santa sé” foi ocupada por “papas” tão
corruptos “que deviam ser chamados apostáticos
e não apostólicos”, e que várias mulheres governaram Roma nesse tempo. Com efeito, as
cortesãs Teodora e sua filha Marozia colocaram no “trono de ‘são’ Pedro” seus amantes e filhos
ilegítimos durante um período conhecido como a “Pornocracia” ou o “governo das
prostitutas”.
Marozia dei
Teofilatti fora seduzida, ainda adolescente, pelo
corrupto “papa” Sergio III (904-911); depois tiveram vários filhos. Sergio, que participara do absurdo julgamento do cadáver, foi
descrito por Barônio, Gregório e outros escritores como “monstro” e “criminoso
aterrorizante”. Diz um deles: “Por
sete anos ocupou a sede de são Pedro, enquanto sua concubina, imitando a rainha
Semiramis, reinava na corte em pompa e luxo como nos piores dias do velho
Império Romano”. Sobre Teodora, relata: “Esta mulher, junto com Marozia, a prostituta do papa, encheu a sé
papal com seus filhos bastardos e converteu o palácio em um labirinto de
ladrões”. Em 914, Teodora conseguiu nomear “papa” João X, então seu amante, assassinado
em 928 por Marozia, que queria levar o seu macho do momento (Leão IV) ao trono. Este
só durou um ano: se lascou todo quando Marozia percebeu que ele tinha uma prostituta
mais imoral do que ela mesma. Marozia então mexeu os pauzinhos e elegeu seu
filho com Sergio, ainda adolescente (chamado João XI); este, depois de uma
briga com desafetos foi encarcerado e acabou envenenado. Em 995, um neto de
Marozia tomou posse como João XII, tão corrupto quanto os outros, culpado de invocar
o demônio e fazer-lhe brindes, víciado em jogo, roubos e imoralidades e até de
provocar incêndios. Nenhuma mulher honesta, solteira, casada ou viúva, se
atrevia a sair em público, pois esse “papa” não lhes tinha respeito. Levantou a
ira do povo ao transformar o palácio papal em bordel; passou toda a vida em
adultério e assim morreu, assassinado pelo marido da mulher com quem dormia.
E nem vamos
falar muito sobre Olimpia
Maidalchini, a papisa secreta, que no século XVII comandou a igreja
católica através de seu cunhado e amante, o “papa” Inocêncio X. Mais sobre
esses e outros escândalos “intra-muros” neste
link.
Você acha que a simples troca de um gerente por outro,
ou no máximo, a substituição do atual grupo de poder, vai mudar alguma
coisa? Os dogmas continuarão os mesmos: continuarão crendo que “sem Maria
não há salvação”; que só “pedindo à mãe o filho atende”. Não vão acabar os “santos”
mais lendários do que a “papisa” Joana. Continuarão com suas
imagens, rezando
pelos mortos, passando
cinza na testa, acendendo velas, batizando e crismando crianças, seguindo procissões. A mulher não terá lugar de destaque; os “homens de preto”
continuarão mais filósofos do que teólogos; ainda tentarão influenciar mais a
política do que a vida espiritual das pessoas; seguirão sem poder casar, mas assediando adolescentes imberbes. Nada mudará! Com a desculpa do
“ecumenismo”, formarão a “igreja mundial” nos
dias finais da humanidade.
Uma organização que
cresceu como um câncer, um polvo maligno que abraça mais do que apenas a praça
de “são” Pedro, corrupta desde os alicerces tenebrosos no subsolo de Roma, de
repente vai passar a ser uma referência de correção e pureza? Uma instituição tão
impenetrável, misteriosa, que torturou e matou milhões “em nome
de Deus”, a ponto de julgar e condenar um
cadáver; que foi dirigida por prostitutas e hoje abriga um sem-número de homossexuais
e pedófilos,
e que escolhe o chefe da
polícia secreta para líder supremo; o que mais não terá nos seus cargos
mais altos? O que mais não
esconderá?
Os que defendem “honestidade,
transparência e tolerância” só da boca para fora, que vivem fazendo passeata
pelo Facebook e manifestação pelo Twitter, deveriam também protestar pelo fim
da corrupção e por uma devassa nessa podridão. Que os mafiosos pelo menos
paguem pelos seus crimes e pela tentativa de manipulação das massas crédulas e
ignorantes, mostrando ao mundo o que se passa por trás daquelas muralhas.
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