O sinistro foi considerado a segunda maior tragédia no Brasil em número de vítimas em um incêndio, sendo superado apenas pela tragédia do Gran Circus Norte-Americano, ocorrida em 1961, em Niterói, que vitimou 503 pessoas,3 4 e teve características semelhantes às do incêndio ocorrido na Argentina, em 2004, na discoteca República Cromañón.5 Classificou-se também como a quinta maior tragédia da história do Brasil,6 a maior do Rio Grande do Sul,7 a de maior número de mortos nos últimos cinquenta anos no Brasil89 e o terceiro maior desastre em casas noturnas no mundo.
Procedeu-se a uma investigação para a apuração das responsabilidades dos envolvidos, dentre eles os integrantes da banda, os donos da casa noturna e o poder público. O incêndio iniciou um debate no Brasil sobre a segurança e o uso de efeitos pirotécnicos em ambientes fechados com grande quantidade de pessoas. A responsabilidade da fiscalização dos locais também foi debatida na mídia. Houve manifestações em toda a imprensa nacional e mundial, que variaram de mensagens de solidariedade a críticas sobre as condições das boates no país e a omissão das autoridades.
A festa denominada "Agromerados" iniciou-se às 23 horas (UTC-2) de 26 de janeiro de 2013, sábado, na boate Kiss, localizada na rua dos Andradas, 1925, no centro da cidade de Santa Maria. A festa foi organizada por estudantes de seis cursos universitários e técnicos da Universidade Federal de Santa Maria. Duas bandas estavam programadas para se apresentarem à noite.10 11 Estimou-se que entre quinhentas a mil pessoas estavam na boate. Eram na maioria estudantes uma vez que, como descrito, ocorria uma festa da UFSM, dos cursos de Pedagogia, Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia.12
Por volta das 2h30min de 27 de janeiro, durante a apresentação da banda Gurizada Fandangueira, a segunda banda a se apresentar na noite, um sinalizador de uso externo foi utilizado pelo vocalista da banda. O sinalizador soltou faíscas que atingiram o teto da boate, incendiando a espuma de isolamento acústico, que não tinha proteção contra fogo. Os integrantes da banda e um segurança tentaram apagar as chamas com água e extintores, mas não obtiveram sucesso. Em cerca de três minutos, a fumaça espessa se espalhou por toda a boate.13
No início do incêndio, não houve comunicação entre os seguranças que estavam no palco e os seguranças que estavam na saída da boate. Estes, então, não permitiram inicialmente que as pessoas saíssem pela única porta do local, por acreditarem tratar-se de uma briga.
A casa funcionava através do pagamento das comandas de consumo na saída, o que levou os seguranças a pensarem que as pessoas estavam tentando sair sem pagar. Muitas vítimas forçaram a entrada pelas portas dos banheiros, confundindo-as com portas de emergência que dessem para a rua, que de fato não existiam na boate.14 Em consequência disso, noventa por cento dos corpos estariam nos banheiros.15
Durante o incêndio, de dentro da boate, uma das vítimas fatais conseguiu enviar uma mensagem através da rede social Facebook, informando do incêndio e pedindo ajuda. A mensagem foi registrada pelo Facebook como recebida às 3h20min. Ainda sem saber das dimensões da situação, amigos pediram mais informações, mas não obtiveram resposta.
Sputnik
O artefato usado pela banda é conhecido como sputnik. Segundo a Associação Brasileira de Pirotecnia (ABP), deve ser usado em ambiente externo e solta faíscas que chegam a quatro metros de altura, mais do que a altura do teto da boate. Deve ser colocado no chão para ser aceso, libera grande quantidade de fumaça e as pessoas devem ficar a pelo menos dez metros do artefato. É proibido usá-lo em locais fechados e próximo a materiais inflamáveis. Custa cerca de quatro a cinco reais e geralmente se usa nas festas de fim de ano.Cianeto
O cianeto, apontado por um laudo técnico como a causa da morte dos estudantes, é uma substância encontrada na natureza e também é um produto da atividade humana. Dentre seus usos caseiros e industriais, estão: fumigar navios e edifícios, esterilizar solos, metalurgia, polimento de prata, inseticidas, venenos para ratos etc. A população está exposta por causa da fumaça dos automóveis, dos gases liberados pelas incineradoras e, também, pela fumaça resultante da combustão de materiais contendo cianetos, como os plásticos. As pessoas mais expostas são metalúrgicos, bombeiros, mineiros, operários de indústria de plásticos etc.O organismo consegue neutralizar o cianeto combinando-o com enxofre para formar tiocianato, que é eliminado na urina. Se a quantidade é demasiada, o cianeto excedente se une à enzima citocromo oxidasehemácias, causando privação de oxigênio para as células. A morte acontece por parada cardíaca e respiratória uma vez que o cérebro e o coração são órgãos vitais, que dependem de muito oxigênio. O tratamento consiste em administrar oxigênio a cem por cento e usar antídotos como o nitrito de sódio, o tiossulfato de sódio, o 4-dimetilaminofenol, compostos de cobalto e a hidroxocobalamina. das
A boate
A boate Kiss foi inaugurada no dia 31 de julho de 2009.20 21 Era um grande sucesso empresarial, com filas que dobravam a esquina da rua dos Andradas. Os proprietários diziam que precisavam organizar a entrada devido ao excesso de clientes, que chegavam a 1.400 pagantes por noite. Embora a capacidade do local não passasse de 691 presentes, havia de 1.000 a 1.500 pessoas na noite do incêndio, segundo a polícia.Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, era o sócio principal, mas seu negócio maior era uma revendedora de pneus e ele devia três milhões de reais em impostos federais. Piloto de motocross, vocalista de uma banda de música, modelo e ator, ele era presença frequente nas colunas sociais de Santa Maria. Entretanto, não era dono oficial da boate, cuja razão social era Santo Entretenimentos, pois ela estava em nome de sua irmã, Ângela Aurélia, e da mãe dele, Marlene Terezinha.
O verdadeiro sócio oficial era Mauro Londero Hoffmann, um empresário dono de bares, restaurantes e casas de shows, incluindo outra boate da cidade, muito maior que a Kiss. Mauro comprou metade da Kiss, em 2012, para salvar a empresa da falência. Embora recebesse muitos clientes e fosse uma das três boates mais importantes da cidade, a casa noturna não rendia muito porque era pouco frequentada pelos mais velhos, que possuem mais recursos financeiros.
Segundo a imprensa, como era um cantor, Kiko pretendia usar a boate como alavanca de seu estrelato comercial. Para isso, ele se empenhou em formar um público de jovens universitários, estimulando-os a promoverem festas para angariarem fundos de formatura. Kiko contratava uma banda e divulgava o evento, oferecendo uma comissão para os estudantes se estes vendessem grande número de ingressos. Assim, a casa promovia de três a quatro festas por semana, a custo de 15 a 25 reais por pagante. Essa foi a razão de estar lotada com estudantes da UFSM no dia do acidente.22
A boate Kiss já havia sofrido uma ação judicial em 2012 por tentar impedir a saída de uma pessoa que ainda não havia pagado a conta. Na ocasião, um funcionário afirmou que a orientação da empresa era não liberar clientes antes de encontrarem a comanda. A Justiça considerou a prática como cárcere privado e condenou a boate a pagar dez mil reais de indenização à jovem que foi barrada na saída. Além disso, depois do incêndio, um segurança que trabalhou por mais de um ano na boate relatou que nunca recebeu treinamento contra incêndio e que não havia portas de saída de emergência.
A banda
A banda Gurizada Fandangueira misturava ritmos sertanejos com a música tradicional gaúcha. Na sua página do Facebook, eles diziam que a banda "inovava nos ritmos e na tecnologia". O uso de artefatos de pirotecnia como o sputnik era comum, mas eles afirmavam que nunca havia acontecido um acidente antes. Era por causa do sinalizador que o cartaz da banda tinha uma caveira em chamas.Eles se apresentavam quase mensalmente na boate e, conforme testemunhas, foi uma faísca do sinalizador que iniciou o fogo. O vocalista da banda, Marcelo, tentou usar o extintor de incêndio, mas o aparelho falhou. O baterista Eliel de Lima tentou ajudar o sanfoneiro Danilo Jaques a se livrar do seu instrumento musical, mas ele não sobreviveu ao incêndio, foi o único integrante da banda a morrer.
A espuma
A espuma usada em isolamento acústico na boate Kiss era moda em Santa Maria. Era uma espuma de colchão usada em boates, bares, clubes e outras casas com música ao vivo. Inicialmente, era usada por exigência dos DJs porque evitava o eco de som e aumentava a nitidez dos sons graves e agudos. Posteriormente, passou a ser usada como isolamento do som interno, evitando que incomodasse os vizinhos. Elissandro Spohr a usou com esse propósito, mas a espuma era ineficiente para esse efeito, então foi retirada quando se implementou um projeto acústico na Kiss. Entretanto, foi recolocada a pedido dos DJs para evitar o eco de som.Nenhum órgão de fiscalização notou a presença dessa espuma inadequada. Os bombeiros apenas examinavam coisas como hidrantes e saídas de emergência. Os fiscais da prefeitura não eram treinados para reconhecê-la e mesmo o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio Grande do Sul só tomava conhecimento desse material se alguém fazia uma denúncia. Após o incêndio, os catadores de lixo da cidade encontravam enormes quantidades de espuma jogada fora pelas demais empresas que a adotavam. Dois deles disseram que tinham coletado cinquenta sacos para vender às recicladoras, era um símbolo de morte para o público.
As autoridades
O caso da boate Kiss foi uma grande sequência de erros e omissões dos poderes públicos:281- um documento precário emitido pelos bombeiros foi usado como Plano de Prevenção e Combate a Incêndio (PPCI) em 26 de junho de 2009;
2- apesar das fragilidades desse documento, o primeiro alvará de incêndio foi concedido pelo Corpo de Bombeiros, em agosto de 2009, com vigência de um ano;
3- a boate começou a funcionar em 31 de julho de 2009, somente com o alvará de incêndio, sem o alvará de localização da prefeitura, só emitido em 2010;
4- de agosto de 2010 a agosto de 2011, a Kiss ficou sem o alvará dos bombeiros, que só foi renovado em 9 de agosto de 2011;
5- na data de incêndio, o alvará estava novamente vencido;
6- a engenheira responsável pelo PPCI disse ter elaborado o plano conforme uma planta-baixa em 2009, mas não acompanhou a execução das obras;
7- a boate foi notificada para fechar as portas em 1º de agosto de 2009, devido à falta do alvará de localização;
8- em vez de ser fechada, a boate foi somente multada, pelo menos quatro vezes, entre agosto e dezembro de 2009;
9- as multas foram aplicadas sucessivamente sem que o alvará fosse expedido e com a boate continuando a funcionar;
10- o alvará de localização foi finalmente expedido em 14 de abril de 2010, depois de oito meses de funcionamento;
11- a fiscalização da prefeitura fez uma vistoria em 9 de abril de 2012 e descobriu que o alvará de incêndio estava prestes a vencer;
12- nenhuma providência foi tomada.
A primeira notificação foi feita em 1º de agosto de 2009, por uma fiscal da prefeitura. Era uma instrução para fechar as portas, nestes termos: "Cessar as atividades até a regularização junto ao município e apresentar alvará no prazo de cinco dias a contar da data da notificação". A empresa continuou funcionando e a mesma fiscal retornou em agosto, aplicando a primeira multa em 8 de setembro de 2009. Um mês depois, em 7 de outubro, a boate seguia aberta sem alvará e sem interdição, tendo sido aplicada a segunda multa. A terceira multa foi aplicada em 27 de novembro de 2009, depois que fiscais verificaram que a boate continuava em operação no dia 10 do mesmo mês. E a quarta multa foi aplicada em 11 de dezembro de de 2009, devido ao descumprimento da notificação original, mas a casa noturna não sofreu o lacramento.
Resgate e atendimento das vítimas
O incêndio teve ao todo 241 vítimas fatais.2 Destas, 235 morreram no dia do incêndio, a maioria asfixiada pela fumaça que tomou conta do ambiente interno, e seis nos dias seguintes, após atendimento hospitalar. Diversas vítimas fatais, dentre elas oito militares, participaram do resgate de vítimas inconscientes da boate.29 Bombeiros relataram que, ao retirarem os corpos, ouviram os celulares das vítimas tocarem "ininterruptamente", significando que seus parentes e amigos tentavam se comunicar.30 31Devido à grande quantidade de vítimas, os bombeiros tiveram que recorrer a caminhões frigoríficos para transportarem os corpos32 até o Centro Desportivo Municipal Miguel Sevi Viero (CDM),33 onde profissionais de diversas áreas reuniram-se como voluntários para prestarem assistência às autoridades e aos parentes das vítimas. Humberto Trezzi, repórter da Agência RBS, relatou a situação do CDM:34
“ | O ginásio parece um formigueiro, tomado por centenas de voluntários que acorreram ao chamado de ajuda feito por meio das rádios. Além de médicos e psicólogos, compareceram assistentes sociais, enfermeiros, soldados e policiais. Muitos em chinelos de dedo e bermuda, que emergência não combina com etiqueta. | ” |
Em 3 de fevereiro, o médico Marcelo Cypel, que morava no Canadá e era diretor do programa de suporte pulmonar extracorpóreo da Universidade de Toronto, veio ao Brasil para prestar tratamento especializado aos pacientes internados por pneumonite, que naquele momento ainda totalizavam 113, dos quais 72 em estado grave. A técnica de ventilação extracorpórea proposta pelo médico permitia uma regeneração do pulmão a partir do próprio sangue do paciente e seria viabilizada por um equipamento doado por uma empresa alemã. 41 42
O chefe da unidade de endoscopia respiratória do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Hugo Goulart de Oliveira, acreditava que os pacientes logo não precisariam mais de respiradores artificiais. O mais difícil foi lidar com a complexidade da intoxicação por cianeto, de manejo pouco solucionado entre os médicos. Como se suspeitava, a hidroxocobalamina, medicamento trazido dos Estados Unidos, não foi eficaz nos pacientes devido ao início tardio. O tratamento se dividiu em três fases, a primeira foi dar suporte de respiração ao organismo por causa do monóxido de carbono e do cianeto, que causam parada respiratória. A segunda fase consistiu em introduzir um endoscópio nas vias aéreas para remover a fuligem dos pulmões, que causaria grandes complicações, e a terceira fase foi lidar com as sequelas, como infecções e fibrose pulmonar. 43
Em 5 de fevereiro, o Ministério da Saúde criou uma rede de serviços de assistência aos pacientes vítimas do incêndio depois que recebessem alta hospitalar, com o objetivo de continuar a assisti-los do ponto de vista médico e psicológico. O Núcleo de Atenção Psicossocial contava com 164 profissionais divididos em equipes de médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas etc. Segundo o secretário estadual da saúde, Ciro Simoni, 81 pacientes permaneciam hospitalizados, sendo 23 com ventilação mecânica. 44
O ministro da saúde Alexandre Padilha anunciou em 22 de fevereiro que o atendimento avançado abrangeria: os pacientes que foram internados com comprometimento pulmonar e/ou queimaduras; as pessoas que tiveram contato na boate com os gases e inalantes; e os amigos, familiares das vítimas e profissionais envolvidos no atendimento que precisavam de apoio psicológico. O programa seria desenvolvido no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), contando também com o apoio do Ministério da Saúde, da Secretaria de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul e das Secretarias Municipais de Saúde de Santa Maria e de Porto Alegre.
Em março, seria aberto um sistema de cadastro para todas as pessoas que estiveram na boate. Novos exames clínicos seriam feitos principalmente para avaliar a função pulmonar delas e seria montado um esquema de acompanhamento psicossocial para familiares, amigos, vítimas e profissionais envolvidos no atendimento, com contratação de profissionais de saúde e formação de equipes móveis de atendimento domicilar. Seria mantido ainda por seis meses o acolhimento 24h no Centro de Atenção Psicossocial45 (CAPS) de Santa Maria, que já havia realizado 1.078 atendimentos individuais, grupais, por telefone e domiciliares. O projeto recebeu o nome oficial de Termo de Compromisso.
O poder público já havia gasto 2,3 milhões de reais com o pagamento de funerais, transporte aéreo e vários outros tipos de despesas com o acidente e ainda dez milhões seriam provavelmente necessários nos anos seguintes, correndo por conta do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil. As despesas seriam divididas entre os governos federal, estadual e municipal. A Cruz Vermelha tinha duas contas para receber doações, mas elas estavam muito abaixo do esperado. Muitas famílias estavam passando por dificuldades financeiras e recebendo alimentos. 46
O maior temor dos médicos era o desenvolvimento de câncer nas vítimas sobreviventes, o que poderia aumentar muito o número de mortos com a passagem dos anos. Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Cinccinatti mostrou que bombeiros têm risco ampliado para tumores de testículo e próstata, além de linfomas e mieloma múltiplo. Além disso, as pneumopatias benignas, como fibrose pulmonar difusa, fibrose intersticial e enfisema, que foram sequelas pulmonares do incêndio, aumentam a chance de câncer. A população exposta aos gases tóxicos liberados no incêndio teria que ser monitorada por vários anos, até mesmo para melhor compreender os efeitos tardios do cianeto no organismo.
O caso ganhou repercussão mundial, veículos internacionais como CNN, BBC, RTP, Al Jazeera, Washington Post, The Guardian, Le Figaro, El País, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Público, Le Monde, Corriere della Sera, The Independent, The New York Times, Clarín, dentre outros, destacaram notas em suas manchetes principais. A rede de televisão CNN relatou o incidente tanto na televisão como na Internet e afirmou que o mundo não aprendeu com os erros do passado. O jornal argentino Clarín comparou o incidente à tragédia com características semelhantes ocorrida em Buenos Aires, no ano de 2004, quando uma discoteca pegou fogo, matando 194 pessoas e deixando centenas de feridos. O espanhol El País identificou a tragédia como uma das piores do país.48 49 50 51 52 53 54 55 56 55 53
Gerou também grande comoção pública não só no Rio Grande do Sul, mas também nos outros estados brasileiros. Diversos países, bem como celebridades e autoridades religiosas do Brasil e do mundo, enviaram mensagens de solidariedade. O prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, decretou luto oficial por trinta dias, foi a primeira vez que luto tão extenso foi decretado no município.57 58 O governador do estado do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, lamentou a tragédia e anunciou em sua conta no Twitter que viajaria a Santa Maria ainda pela manhã.59 A presidente Dilma Rousseff, que se encontrava em Santiago, no Chile, para participar da cúpula dos países da América Latina com a União Europeia, cancelou sua agenda no evento para viajar a Santa Maria, a fim de acompanhar o resgate das vítimas do incêndio. Dilma proferiu um breve comunicado à imprensa e ofereceu ajuda federal ao município e ao estado.60 61 Após isso, a presidente decretou luto oficial de três dias no país.62
A cobertura da tragédia alterou a programação das principais emissoras de televisão do Brasil e aumentou a audiência das grandes redes abertas em quinze por cento na Grande São Paulo.63 A Universidade Federal de Santa Maria, onde estudavam muitas das vítimas, suspendeu todas as suas atividades acadêmicas até o dia primeiro de fevereiro.64 Até 31 de janeiro, havia 143 pessoas internadas por pneumonite química em Santa Maria, das quais 75 estavam em estado crítico. A patologia é causada por inalação de vapores tóxicos e produz falta de ar, podendo levar à morte. O número de internados aumentou progressivamente porque os sintomas levam várias horas para se manifestarem. Outra consequência tardia do incêndio foi o estresse pós-traumático dos sobreviventes.65
O empresário Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, tentou cometer suicídio por enforcamento com uma mangueira, em um hospital na cidade de Cruz Alta, onde estava preso e vigiado por policiais. Ele procurou atendimento médico devido a sintomas de pneumonite e foi algemado à cama para evitar novas tentativas contra a própria vida. O médico que o atendeu, no entanto, negou essa versão apresentada pela polícia e disse que seu paciente teve apenas uma cise nervosa. Ainda segundo o médico, Spohr era mantido sob sedação permanente e oscilava entre crises de choro e depressão.66 67 Em 31 de janeiro, a Justiça negou o pedido de relaxamento da prisão temporária de Spohr e de seu sócio, Mauro Hoffman, que terminaria em primeiro de fevereiro.68
Os parentes das vítimas fundaram uma associação em 9 de fevereiro, com o auxílio da defensoria pública, para garantir apoio psicológico e jurídico às famílias. Os parentes estavam em processo de cadastramento e se pretendia aproveitar a experiência com tragédias aéreas como a do Voo TAM 3054 para exigir direitos e apontar responsabilidades.69 O carnaval foi cancelado em Santa Maria e em 32 municípios próximos, inclusive o prestigiado carnaval da Quarta Colônia de Imigração Italiana. Todas as atividades de rua e de clubes foram canceladas, apesar de resistências empresariais, porque o luto oficial estava em vigor por todo o mês.70
Como é comum em incêndios e tragédias, vários boatos do tipo teoria da conspiração circularam nas redes sociais. O texto básico dizia que seria um evento premeditado para ocorrer no dia 27 de janeiro porque este é o dia de homenagem às vítimas do Holocausto e tinha como componentes: a citação de uma caveira pegando fogo no cartaz da banda; a última música executada teria sido Die Young; as portas foram lacradas pelos seguranças; uma sobrevivente disse ter visto uma mulher de vermelho sorrindo; a banda teria anunciado o incêndio no Facebook, antes do show; só um dos membros da banda morreu.
O sítio especializado em lendas urbanas E-Farsas analisou esse texto, desmentiu cada componente dele e concluiu: "Mistura uma série de informações desencontradas, sem fontes e se aproveita da comoção dos leitores para criar teorias conspiratórias. O acidente ainda está sendo investigado e, ao que tudo indica, se iniciou por causa de um sinalizador, que foi lançado dentro da boate Kiss". De fato, foi nesse sentido que rumaram as investigações.71
Um fato verdadeiro, porém, foi que muitos moradores da rua dos Andradas não suportaram viver perto de um local em que morreram centenas de pessoas e se mudaram, levando em conta também que os imóveis da região perderam valor em cerca de vinte por cento conforme especialistas. Um dos vizinhos disse que, de sua casa, era possível ver o buraco feito atrás do palco da boate, na tentativa de socorrer as vítimas da fumaça. 72
Em 11 de fevereiro, Miguel Caetano Passini, titular da Secretaria de Controle e Mobilidade Urbana de Santa Maria, disse à RBS que os fiscais da prefeitura não eram treinados para reconhecerem situações de risco como espumas inflamáveis e se limitavam a verificar a arrecadação tributária das empresas, deixando a questão do fogo para os bombeiros. Por sua vez, o presidente do Sindicato dos Municipários, Cilon Regis Corrêa, disse que a omissão foi da prefeitura, que tinha uma fiscalização "sucateada e amordaçada".
A referida mordaça significava que muitos diretores municipais eram ocupantes de cargos de confiança, que tinham que ser nomeados porque haviam colaborado nas campanhas eleitorais e, em troca, queriam ser "acomodados nas secretarias". Esses indivíduos não tinham qualificação técnica e inibiam o trabalho dos servidores de carreira qualificados. Segundo Corrêa, os fiscais estavam com medo de serem responsabilizados pelo acidente, mas eles não puderam agir devido à cultura política exposta acima e por omissão da prefeitura e de outros órgãos públicos.73
Em 14 de fevereiro, a Associação Nacional para Exigência do Cumprimento das Obrigações Legais (Anecol), que não representava as vítimas, pediu uma indenização de três milhões de reais por vítima fatal e de trezentos mil reais por vítima internada. Esses valores foram escolhidos em função da juventude das vítimas e dos anos de vida perdidos, isto é, porque as vítimas perderam muitos anos de vida produtiva em potencial. A ação judicial seria movida contra os sócios da boate e contra a banda. O Ministério Público foi requisitado pelo advogado que representava a associação para acompanhar o processo judicial.74
Os familares das vítimas ficaram revoltados com esse pedido de indenização porque a Anecol não era a associação criada em Santa Maria para a defesa dos seus direitos, não tendo, portanto, legitimidade para representá-los, e por causa dos valores altíssimos arbitrados. O porta-voz da verdadeira associação de defesa, Leo Becker, disse: "Não sabemos quem são essas pessoas e por que estão pedindo essa indenização. A única coisa que podemos dizer é que não há parentes de vítimas por trás dessa ação". Enfatizou também que as indenizações poderiam demorar vinte anos e que a preocupação das famílias não era monetária.
O presidente da Anecol, Walter Euler Martins, disse que a associação filantrópica sediada em São Paulo não precisava de procuração para pedir indenizações e que estava apenas buscando justiça face ao clamor popular. Segundo ele, o juiz é que deveria arbitrar o valor da indenização independentemente do pedido e o valor arrecadado seria depositado em um fundo de amparo às vítimas. Euler era também ouvidor da Associação de Defesa dos Direitos dos Proprietários de Veículos Financiados e Mutuários (Asdep) e pastor da Igreja Evangélica Cristã Presbiteriana de São Paulo. 75
Em 24 de fevereiro, a verdadeira associação foi oficializada com a aprovação de seu estatuto e o encaminhamento de uma ação coletiva de reparação de danos e indenização à defensoria pública. Esta deveria ingressar em juízo dentro de duas semanas, após a conclusão do inquérito policial. O pedido de indenização seria dirigido a entidades públicas como o estado e a prefeitura, além dos proprietários da casa noturna e talvez de fabricantes de espuma. Os familiares que dependiam financeiramente das vítimas poderiam obter uma ação de antecipação de tutela em caráter de urgência, paralela à ação coletiva.
Homenagens
Na noite de 2 de fevereiro, centenas de pessoas fizeram uma vigília em frente à boate, até o horário em que começou o fogo, às duas e meia da manhã. Conduzida por padres e pastores, contou com sobreviventes e parentes das vítimas, que montaram cartazes de protesto, acenderem velas e cantaram músicas religiosas. No horário exato do acidente, houve uma salva de palmas, algumas pessoas desmaiaram e foram atendidas por médicos no local. Uma sobrevivente reconheceu o cheiro do gás tóxico, o "cheiro da morte" que ela disse ter sentido desde o início da rua. A estudante de 18 anos ainda estava em tratamento devido aos sintomas de pneumonite causados pelo vapor químico. 77Antes, às nove e meia da noite, milhares de pessoas lotaram a basílica da Medianeira numa missa de sétimo dia em homenagem às vítimas. Rezada pelo bispo auxiliar de Porto Alegre, dom Jaime Spengler, e pelo arcebispo de Santa Maria, dom Hélio Adelar Rubert, foi dirigida especialmente aos jovens. "Hoje será uma noite de fé. Pela fé e a partir da fé vamos encontrar esperança e justiça", disse Dom Jaime na homilia. Houve também uma missa de sétimo dia em Porto Alegre, na paróquia Santo Antônio, com presença de quatrocentos fiéis. 78
O dia 27 de fevereiro começou com muitas homenagens pelo primeiro mês da tragédia. Centenas de pessoas se reuniram na Praça Saldanha Marinho, às 8h, e fizeram muito ruído com sinos, palmas, cornetas e buzinas de carros. A manifestação durou quinze minutos e houve muita emoção de pais e familiares das vítimas mortas. No Hospital Universitário de Santa Maria, médicos e pacientes bateram palmas durante um minuto em frente ao prédio e quem não podia sair do quarto acenou pela janela. Integrantes do movimento Andradas Viva colocaram 239 faixas em frente à boate.79
Às 19h, houve uma caminhada que partiu da Praça Saldanha Marinho e se dirigiu ao Hospital de Caridade, onde muitas vítimas foram atendidas e quatro permaneciam internadas. Depois de um minuto de silêncio, as pessoas foram à igreja de Nossa Senhora de Fátima para a realzação de uma missa. Havia cerca de duas mil pessoas no movimento chamado Sair do Luto e ir à Luta, com cartazes, fotos, pedidos de justiça e roupas pretas. Outros cultos de diversas religiões foram feitos durante o dia para encerrar o primeiro mês desde o incêndio.80
Em 27 de abril, os familiares fizeram uma reunião no local para lembrarem os três meses do acidente. Pouco antes das três horas da madrugada, eles fizeram uma roda e contaram suas experiências naquele dia, em uma forma de terapia coletiva. Cerca de cinquenta pessoas da cidade e dos arredores participaram e deixaram depoimentos emocionados. Às 3h20min, horário do fogo, eles rezaram e fizeram um minuto de palmas, continuando depois a rezarem e cantarem músicas religiosas. Segundo o presidente da associação das vítimas, "foi uma oportunidade ímpar de os familiares se reunirem e darem seus relatos. Eles estavam precisando disso, desse momento de interação". A homenagem se completou com uma caminhada no centro da cidade e uma missa à noite.81
[editar] Vistoria de boates e revisão da legislação no Brasil
Especialistas passaram a defender uma legislação única para prevenir eventos semelhantes. Naquele momento, o poder executivo municipal fiscalizava os aspectos gerais do projeto arquitetônico e os bombeiros vistoriavam o plano de combate a incêndios. O acidente da boate denunciou a fragilidade desse sistema tendo em vista que a legislação municipal, mais flexível, foi utilizada no lugar da legislação estadual contra incêndios, que exigia, por exemplo, a existência de duas portas em boates. Uma consequência constrangedora foi o jogo de empurra-empurra entre as autoridades após o incêndio, cada qual tentando transferir a responsabilidade para as outras. 82O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, determinou uma vistoria maciça das boates do estado. Das 303 casas visitadas até 31 de janeiro, 111 não tinham alvarás de incêndio e 66 tinham alvarás válidos, mas irregulares; o que ensejou um prazo de dez dias para regularização sob pena de cassação do alvará. A fiscalização atingiu boates com mais de mil metros quadrados e deveria ser estendida a salas de cinema, teatros e salões de clubes.
Além disso, o prefeito Fernando Haddad assinou um acordo com os bombeiros para fiscalização conjunta na capital e determinou a criação de uma legislação municipal mais rígida por meio da formação de uma comissão especializada.83 84 Houve também vistorias no estado de Minas Gerais, com atuação conjunta de bombeiros, prefeituras e polícia militar. Quatro casas noturnas foram fechadas no município de Pouso Alegre, quatro em Cambuí e duas em Alfenas, todas por falta de alvará de incêndio.85
Em 2 de fevereiro, o promotor João Marcos Adede y Castro anunciou que havia entrado com uma requisição de vistoria da boate junto ao Ministério Público, em 2011, devido às más condições da casa noturna. "Eu recebia muitas denúncias de bombeiros que iam fiscalizar os locais e não eram obedecidos pelos proprietários. Então, eles me procuravam porque se sentiam impotentes e não conseguiam obrigar os donos a seguirem as leis. Foi o caso da denúncia dessa boate", disse ele. A comunicação tinha como destinatário a representação local da Brigada Militar, a denominação gaúcha para a Polícia Militar. O Comando-Geral da Brigada Militar no estado é o responsável pelo Corpo de Bombeiros em todo o Rio Grande do Sul. O promotor afirmou ter feito mais de quatrocentos pedidos de fiscalização nas empresas do município, mas a resistência era grande por causa do custo de prevenção e não havia ação das autoridades.86
O incêndio também iniciou uma discussão sobre o uso de comandas, isto é, a forma de pagamento em que o cliente da boate acerta as contas somente quando vai sair. Um projeto de lei municipal, de autoria da vereadora Séfora Mota, foi proposto em Porto Alegre para criar novas formas de pagamento: pagamento no momento do consumo, venda de fichas que seriam trocadas pelo produto no transcorrer da festa ou utilização de um cartão pré-pago para o consumo. Entretanto, especialistas disseram que a solução mais viável seria modificar o Código de Defesa do Consumidor de modo a estabelecer o pagamento imediato na entrega dos produtos, isso evitaria que as portas fossem trancadas para evitar a saída dos clientes.87
Uma comissão da Câmara dos Deputados foi formada com o objetivo de ir a Santa Maria para estudar as falhas da legislação que levaram ao acidente e com isso propor uma nova lei de âmbito federal para as regras de segurança e de licenciamento de casas noturnas. O projeto de lei, de autoria do deputado Paulo Pimenta, pretendia obrigar as boates a cumprirem exigências da Associação Brasileira de Normas Técnicas88 e obrigar as prefeituras a divulgarem nos seus sítios de Internet a situação legal das casas noturnas para que todas as pessoas soubessem a respeito de alvarás e outros fatores de segurança.
Um mês depois da tragédia, não havia mais muito movimento nos meios de comunicação, mas muitas ações concretas haviam sido implementadas em todo o país. Cerca de quinhentas boates e casas de shows haviam sido interditadas até regularizarem sua situação. Em Manaus, onde o número de interdições chegou a 66, o prefeito Arthur Virgílio Neto enviou um projeto de lei, para votação em regime de urgência, a fim de banir o uso de fogos de artifícios em casas noturnas, bares e restaurantes.
A prefeitura de São Paulo criou um sistema de Internet para que as pessoas verificassem as condições de segurança em todos os locais de reunião da cidade. Em Minas Gerais, onde 755 empresas foram vistoriadas, os bombeiros apresentaram sugestões para melhorar a legislação estadual em uma audiência pública na Câmara Municipal de Belo Horizonte, que seriam depois enviadas à Assembleia Legislativa. Na capital, 21 boates foram interditadas.
No Rio de Janeiro, 209 boates foram vistoriadas e somente cinco por cento tinham segurança total contra incêndios. Segundo o secretário de Defesa Civil do Rio de Janeiro, coronel Sérgio Simões, em 2012, 439 casas de reunião de público, dentre restaurantes, teatros, boates e locais com música ao vivo, solicitaram vistorias do Corpo de Bombeiros para regularização. Apenas 257 locais foram aprovados.
Especulação na mídia
O portal G1 ouviu especialistas sobre as possíveis punições na esfera legal:901- prefeitura, que se eximiu da responsabilidade - indenização por danos materiais e morais e pensão se houve omissão na fiscalização, se a casa estava superlotada e sem alvarás em dia;
2- bombeiros, que atestaram as condições da boate - indenização por danos materiais e morais e pensão se a corporação foi omissa ou negligente ou apresentou laudo errôneo;
3- boate Kiss, que não tinha plano contra incêndios - indenização por danos materiais e morais e pensão se foi omissa na documentação da casa, permitiu shows que expunham a risco os clientes, não cumpriu exigências dos bombeiros e da prefeitura;
4- sócios da boate - homicídio culposo (sem intenção) se ficasse comprovado que eles sabiam do risco de incêndio e ainda assim permitiram as apresentações com efeitos pirotécnicos no local;
5- proprietárias oficiais da boate, que não a geriam - indenização por danos materiais e morais e pensão porque constavam como verdadeiras proprietárias;
6- banda Gurizada Fandangueira - indenização por danos materiais e morais e pensão se os fogos eram impróprios ou não estavam autorizados, agravando a situação da boate se esta sabia;
7- integrantes da banda - homicídio culposo se ficasse comprovado que sabiam estar utilizando um sinalizador capaz de provocar um incêndio, de forma imprudente.
O jornal Zero Hora também levantou uma lista de crimes prováveis: homicídio para os donos da boate e para a banda; improbidade administrativa para a prefeitura e para os bombeiros; falsidade ideológica para os donos da boate e para as proprietárias oficiais; irregularidares trabalhistas para os donos da boate; lesão corporal para os donos da boate e para a banda; prevaricação para a prefeitura e para os bombeiros; sonegação fiscal e lavagem de dinheiro para os donos da boate e para as proprietárias oficiais.
Parecer especializado
O jurista Rizzato Nunes publicou um artigo na Internet expondo sua visão legal dos fatos. Segundo o especialista, a responsabilidade objetiva se aplicaria tanto à boate como ao poder público, respectivamente conforme o Código de Defesa do Consumidor e a Constituição. Essa forma de responsabilidade consiste em verificar somente se houve nexo de causalidade entre o dano sofrido pela pessoa e a conduta do agente em serviço, não cabendo a discussão de culpa do agente. Ou seja, havendo dano e causalidade, a boate e o estado teriam que indenizar as vítimas sem que se discutisse a culpa de um ou de outro.Esse nexo de causalidade seria fácil de provar tanto no caso da boate, com suas atitudes veiculadas na mídia, como no caso da omissão dos órgãos públicos em termos de fiscalização. Não se verificavam situações que pudessem afastar a responsabilidade objetiva, como a culpa exclusiva do consumidor ou da vítima, e os integrantes da banda teriam responsabilidade solidária com os sócios da boate. Além disso, a tese de irresponsabilidade do estado em caso de omissão foi pacificada pelo Supremo Tribunal Federal.
As compensações financeiras seriam: pensão em decorrência dos prejuízos materiais que os sobreviventes e os familiares das vítimas tiveram que suportar, a exemplo de impossibilidade de trabalhar e hospitalização; e também indenização por danos morais, entendidos como o sofrimento psicológico causado às vítimas. Essa indenização poderia ser atenuada pela prestação de assistência pelo agente às vítimas.
Rizzato também iniciou um abaixo-assinado para pleitear que os deputados e senadores ou a presidente Dilma Roussef elaborassem, respectivamente, um projeto de lei ou uma medida provisória para alterar o código do consumidor no sentido de evitar a superlotação das boates e extinguir as comandas. Rizzato Nunes era professor de Direito, mestre e doutor em Filosofia do Direito pela PUC-SP. Era também livre-docente em Direito do Consumidor pela PUC-SP e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Volta à vida normal
O município de Santa Maria voltou à normalidade aos poucos. Nos primeiros dias, houve um clima de luto e silêncio na cidade, muitas lojas fecharam no primeiro dia, em respeito aos mortos, e o calçadão teve pouco movimento, mas o comércio foi se reaquecendo gradativamente. As boates foram fechadas por trinta dias a fim de passarem por uma revista e o luto oficial proibia festas na cidade, porém as pessoas recomeçaram a sair aos fins de semana e os pontos de encontro de jovens voltaram a se movimentar lentamente.Os músicos profissionais, que viviam de apresentações, tiveram graves perdas financeiras devido à súbita interrupção das festas. Com o fim do luto oficial, eles esperavam voltar a ter oportunidades, mas temiam que o comportamento dos santamarienses ainda fosse avesso a diversões coletivas, principalmente porque muitos perderam amigos ou familiares. "Vai demorar muito para mudar. O pessoal continua triste. Na universidade, lembramos de tudo o que aconteceu. É complicado. Ficamos pensando no quanto somos vulneráveis”, disse uma estudante universitária de 22 anos.
Nota para compreensão do texto: existem dois tipos de alvará, um concedido pelos bombeiros e outro concedido pela prefeitura, com exigências diferentes.
[editar] Etapa preliminar
Autoridades afirmaram inicialmente que a maioria das vítimas não morreu em decorrência de queimaduras, mas sim de asfixia pelo monóxido de carbono presente na fumaça que tomou conta do ambiente interno; outras foram pisoteadas.94 95 15 A reconstituição do evento foi feita na tarde de 30 de janeiro. Sobreviventes relataram que o incêndio começou com o sinalizador, que atingiu o teto e causou uma fumaça negra que obscureceu o ambiente em poucos minutos, impedindo o público de enxergar a saída.Muitos viram a luz verde do banheiro e pensaram que fosse a saída, por isso tantos morreram nesse local. Além disso, confirmou-se que o teto da boate foi rebaixado para instalar a espuma acústica, inflamável e vedada por lei municipal, depois de reclamações dos vizinhos contra o barulho da boate.96 97 O alvará98 emitido pelo Corpo de Bombeiros para o funcionamento da casa estava vencido desde agosto de 2012.
Já na tarde de domingo, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul estava analisando a possibilidade de pedir prisão dos donos da boate e dos integrantes do conjunto musical Gurizada Fandangueira, dentre outras pessoas.99 Na noite de domingo, o grupo de advogados associados Kümmel & Kümmel, representante da casa noturna, divulgou nota à imprensa rechaçando os boatos levantados através de redes sociais, declarando que a casa atendia às especificações legais e que se colocava à disposição das autoridades para auxiliar no processo investigatório.100 101 102
Na manhã de segunda-feira, 28 de janeiro, um dos proprietários da boate Kiss e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira foram presos. O pedido de prisão temporária foi concedido pelo juiz ainda na madrugada. O segundo sócio da boate se entregou à polícia à tarde, quando houve também a decretação do bloqueio dos bens dos proprietários.103
Em 29 de janeiro, o delegado Marcelo Arigony apontou pelo menos quatro irregularidades na boate:
1- saída única - uma só porta e pouco espaçosa;
2- sinalizador em local fechado - causou faíscas que iniciaram o incêndio;
3- excesso de pessoas - 1.300 para capacidade de 691;
4- material de revestimento inadequado.
O computador com a gravação das câmeras de segurança da boate desapareceu do local, segundo o delegado responsável pelas investigações, fato que levou a polícia a mudar o tratamento do crime de homicídio culposo para homicídio com dolo eventual.104 105 A boate não respeitava as normas estaduais no que se referia à exigência de duas portas, que era explícita nessa legislação. Enquanto isso, a Lei Municipal 3.301/91, de 22 de janeiro de 1991, não dizia expressamente se deveria haver duas portas nas boates, mas usava a palavra porta no plural, deixando margem a interpretações. Porém, o promotor aposentado João Marcos Adede y Castro deixou claro que as normas municipais não podem prevalecer sobre as federais e estaduais.
O tenente-coronel Nelson Matter, do Corpo de Bombeiros, disse que era comum os bombeiros e as prefeituras fazerem vistas grossas para a legislação estadual porque as leis municipais eram mais simples. E o tenente-coronel reformado também manifestou solidariedade com os bombeiros santamarienses tendo em vista a gama de pressões a que a corporação era submetida. "Os bombeiros têm de lidar com um emaranhado de leis e sofrem pressão de todos os lados para conceder os alvarás. São prefeituras, políticos, conselhos de engenharia e arquitetura e empresários", disse o oficial.
O prefeito Cezar Schirmer disse à imprensa que o alvará de localização da boate estava em processo de renovação e transferiu para os bombeiros a tarefa de fiscalização e interdição das boates. Ao mesmo tempo, a Brigada Militar confirmou que o alvará de incêndio estava em liberação e que acreditava existirem duas portas na boate devido às informações do responsável técnico e dos proprietários. A Brigada isentou os bombeiros da obrigação de interditar a boate e responsabilizou os proprietários pela falta de um plano de fuga.106
As fotos divulgadas em 31 de janeiro mostraram que a boate não tinha extintores de incêndio nas paredes e uma funcionária confirmou que os donos da empresa mandavam retirar os aparelhos por questão de estética. O comandante municipal do Corpo de Bombeiros disse que fez uma vistoria no estabelecimento depois do pedido de renovação do alvará de incêndio e que este estava em dia, enquanto o comandante estadual disse que o alvará não havia sido renovado porque estava na fila, mas uma portaria estadual determinava que o prazo para renovação não fosse superior a vinte dias. 107
Um dos integrantes da banda acusada de começar o incêndio duvidou da hipótese de que um sinalizador teria causado o evento. Segundo ele, um teste foi feito antes do show e as faíscas só alcançaram dois metros de altura enquanto o teto da boate ficava a três metros. Disse também que o efeito pirotécnico já havia sido usado pela banda em boates e que nunca houve problemas antes.108
O uso de pirotecnia na boate era muito comum conforme demonstravam as fotos e relatavam os frequentadores da casa noturna. Embora o comandante dos bombeiros tivesse dito que negou autorização para o uso dos artefatos, um estudante universitário descreveu o uso do seguinte modo: "O artefato costumava ser preso em garrafas de bebidas alcoólicas. Era bem comum. O pessoal que colocava lista de aniversário, se chegasse a 20 convidados, ganhava uma garrafa de espumante e o sinalizador ia dentro. Depois, o pessoal saía caminhando com aquilo". Segundo ele, o aniversariante podia circular livremente pelo local com o sinalizador aceso e cada pedido de espumante era atendido com duas garrafas, ambas com o artefato aceso. Disse também que a prática era comum nas demais boates da cidade.
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