O conto de fadas, enquanto narrativa
destinada ao publico infantil, surge na Europa durante a Idade Media
Moderna e têm por fonte a tradição oral, provavelmente as narrativas
primordiais que ficaram registradas na memória dos povos e foram
transmitidas através dos tempos. Muitos contos revelam a afinidade com
os ritos iniciáticos dos povos primitivos, em que o iniciado, para
alcançar outra etapa da vida, submete-se a inúmeras provas cuja
superação comprovam o seu amadurecimento. Por outro lado, a origem
popular dos contos fica visível pelo fato de que os heróis das
narrativas estão em situação de inferioridade no meio em que vivem e
somente com o auxilio de elementos mágicos conseguem superar essa
condição.
Segundo Richter e Merkel, os contos
manifestam o desejo das classes oprimidas de liberta-se de sua condição
social de inferioridade. Mas a saída individual da situação opressiva
através de seres ou objetos mágicos leva ao conformismo e manutenção do
status que, pois sua mensagem básica é de que, somente através de uma
situação fantástica, é possível alcançar outro patamar na escala social.
Contudo, assinalam os autores, os contos têm a vantagem de apresentar
às crianças um esboço compreensível da sociedade e das relações
intersociais.
Por outro lado, a passagem da oralidade
ao texto escrito para crianças é assinalada, no conto de fadas, pela
inclusão da moralidade. A noção de família nuclear, surge com a ascensão
da burguesia no século XVIII, passa a valorizar a infância, enquanto
etapa que merece a atenção dos educadores por ser uma fase existencial
propicia à aquisição de hábitos e formação moral do futuro adulto. As
literaturas infantis, associadas à escola, colaboram nessa tarefa, fato
que justifica o caráter pedagógico de que se reveste.
Contudo, a despeito dessa orientação
pragmática, os contos de fadas deixam entrever respostas a questões
essenciais do ser humano. Assinala Bettelheim que tanto essas narrativas
quanto as místicas respondem a indagações básicas do homem, tais como:
O que é o mundo?
Como posso viver nele?
Como posso ser eu mesmo nele?
Aponta como uma das diferenças
fundamentais entre esses dois tipos de narrativa o fato de que no mito
as respostas são mais diretas ou explicitas, enquanto no conto de fadas
são muitos sutis.
Sugerem soluções, mas não as explicitam,
deixando as crianças à possibilidade de preencherem, com as suas
fantasias, as lacunas do conto, aplicando-os às suas próprias vidas. Por
outro lado, considera o autor, os contos de fadas apresentam em imagem o
que se passa na mente inconsciente e pré-consciente, sugerindo soluções
e formas de lidar com as experiências internas. Sendo um produto do
saber humano, os contos lidam com experiências fundamentais do existir,
entre elas a conquista da maturidade.
Em seu sentido mais profundo abordam,
simbolicamente, as dificuldades mais serias que o crescimento pressupõe,
mas demonstram também que se enfrentarmos com coragem esses problemas
podemos superá-los.
Pensar o conto de fadas do ponto de
vista da aprendizagem é pensar que existe, de forma subjacente, todo um
mundo de relação humana entre a criança que ouve e o adulto que narra.
Nessa proximidade, intermediaria pela historia e seu conteúdo, a criança
tem a oportunidade de brincar com os elementos misteriosos da vida, sob
a aprovação plena do adulto. Isentas de reprovação, as significações
dos contos são manipuladas mentalmente nos corredores ocultos do
pensamento infantil. Ai, a criança é livre para aprovar ou desaprova,
aceitar ou rechaçar, transformar a sua vontade aquele material humano
que lhe é oferecido. Seus desejos, temores, suas esperanças se encontram
com o desenrolar de cada historia e sua imaginação se mantém vivida
para recriar outras tantas situações, semelhantes ou diversas.
Esse movimento interno, esse brincar
interiorizado e imaginativo é essencial para que outras aprendizagens se
possam fazer. O aprendizado formal a capacidade de atribuir sentidos as
formas eleitas pela cultura para representar o mundo dependem, em
grande medida, da porção internalizada, do tesouro de imagens que a
criança assimilou em seu contato com o ambiente. Da suficiente riqueza
dessa imagem serão geradas, como o acumulo e diversificação de
experiências, idéias suficientemente ricas e claras, para que não se
percam as chances de transformação da experiência em aprendizagem. O
passado, o presente e o futuro encontram-se reunidos, sintetizados numa
única melodia simbólica e num único espaço afetivo. Contar e ouvir
histórias é uma forma de estar junto em harmonia, recriando a vida no
seu significado mais profundo. Nesse sentido, o conto de fadas é
absolutamente real, na medida em que fala daquilo que é especificamente
humano, primitivo – os amores, as raivas, as invejas, as ambições – e
aponta para um mundo melhor, onde o mais importante não são os bens
materiais, concretos, mas as riquezas abstratas da beleza, da bondade,
da justiça, do perdão e do amor. Nos contos de fadas habitam,
enfim, núcleos verdadeiros de curiosidade, de experimentação, de coragem
e de inventividade responsáveis pela aprendizagem real.
Finalmente, cabe lembrar que, para que o
conto de fadas atue na mente infantil, enriquecendo suas experiências
internas, é necessário que o texto não sofra as mutilações da adaptação,
pois os símbolos organizam-se na historia formando uma composição,
cujos elementos não podem ser dissociados, sob pena de prejudicar a sua
significação global.
Contos de Fada
Os contos de fadas vêm se perpetuando há
séculos na imaginação de crianças e adultos. Esses gêneros foram
transcritos para o papel e hoje também permite pesquisar concepções da
realidade de diferentes povos. E deixam transparecer valores
humanos sempre atuais. Embora os contos de fadas tenha sofrido mudanças
formais distorcendo os textos originais na versão de Walt Disney, a
produção de contos ainda encanta as novas gerações.
De acordo com um artigo publicado na
Revista Educação (2004,p 46), o escritor define os contos de fadas como
um relato popular que perpassa o sagrado e o profano, o trágico e o
humorístico caracterizando-se pela presença de seres, objetos e
lugares sobrenaturais, bruxas, fadas, dragões, varinha de condão e
reinos enfeitiçados que existem fora da lógica real do tempo. São
facilmente adaptáveis à mentalidade infantil porque apresentam um numero
restrito de personagens, opostos por motivação simples como
a generosidade e o egoísmo, a confiança e a traição, o amor e o ódio, ao
final, as boas condutas são gratificantes com recompensas, enquanto a
malvadeza implica duros castigos sobre seus agentes. Essas narrativas
valorizam a esperteza, a iniciativa e a solidariedade, mas não explicam
nenhum julgamento.
Bruno Bettelheim (1998, p.20), diz que
os contos de fadas são impares, não são como uma literatura, mas como
uma obra de arte integrante compreensível para a criança como nenhuma
forma de arte o é. Desta forma, o conto de fada trará um
significado diferente para cada pessoa e diferente para a mesma pessoa,
em vários momentos de sua vida.
A criança extrairá significados
diferentes do mesmo conto de fadas, dependendo de sua necessidade no
momento. Não é de espantar, portanto, que as crianças se
desinteressem cada vez mais pela leitura, visto que a literatura hoje
produzida para elas é cada vez mais pasteurizada, sem os riscos
conflitos mágicos e simbólicos das historias de fadas originais.
É muito importante contar para as
crianças a versão original dos contos de fadas, pois desta forma ela
pode fantasiar e resolver suas angustias ou seus conflitos de
forma saudável e prazerosa. Ao contrario do que as apresentadas por Walt
Disney que relatam o conto de uma maneira irreal.
O primeiro autor a escrever para
crianças no século XVIII foi o Francês Charles Perrault. Perrault ouvia
historias de contadores populares, e então as adaptava ao gosto da corte
francesa, acrescentando ricos detalhes descritivos, bem como diminuindo
os trechos que contavam os rituais da cultura pagã popular ou fizessem
referencias a sexualidade humana, pois vivia sob o contexto de conflitos
religiosos entre católicos e protestantes a época da contra reforma
católica. Também, ao final da narrativa, escrevia sob a forma de versos a
moral da historia, traduzindo sua preocupação pedagógica, segundo a
qual as historias deveriam servir para instruir moralmente as crianças.
Ou seja, desde o seu primeiro registro por escrito, os contos de fada já
começaram a ter seus detalhes, de enorme riqueza, deturpados.
Na Alemanha no séc. XIX, os irmãos Jacob e Wilhem Grimm também realizaramem trabalho de coletânea de contos populares.
Segundo filólogos, seu interesse inicial
era coletar para estudar a língua alemã e registrar seu folclore, de
modo a recuperar a realidade histórica dos pais.
Os Grimm tiveram o mérito de registrar suas historias nas versões originais, sem as adaptações e lições morais de Perrault.
Com o advento da psicanálise, hoje
podemos compreender a profunda riqueza simbólica e a utilidade simbólica
desses contos, o que os contos despertam no imaginário que tanto as
fascina e porque eles são tão importantes a elas.
Para que possamos compreender essa
questão, necessitamos pensar sobre o desenvolvimento da psique humana,
pois na verdade os contos de fadas são tão fascinantes porque simbolizam
o processo que percorremos nesse desenvolvimento.
Psicológicos e psicanalistas do século
XX, entre os quais Sigmund Freud, Carl Gustav Jung e Bruno Bettelheim,
interpretam certos elementos dos contos de fadas como manifestações de
medos e desejos comuns a todos os seres humanos.
Bettelheim, ao escrever seu livro: A
Psicanálise dos contos de fadas valoriza as relações dos contos de fadas
com a vida emocional inconsciente, ressaltando assim, a importância dos
contos no desenvolvimento psicológicos das crianças.
Compartilha com Freud a idéia de que os
contos de fadas constituem uma linguagem simbólica dos conflitos, as
ansiedades infantis podem ser realizadas, portanto a criança pode
adequar os seus conteúdos inconscientes as fantasias tendo a
possibilidade de lidar com o mundo externo.
Bettelhem (1980), afirma que a natureza
cruel e arbitraria de muitas historias é, na verdade uma reflexão
intuitiva sobre a recuperação natural e necessária para as crianças,
de varias fases de iniciação e desenvolvimento. Segundo suas palavras,
os contos de fadas dirigem a crianças para a descoberta de sua
identidade e comunicação, sugerindo também as expectativas necessárias
para desenvolver ainda mais seu caráter.
Bettelhem faz uma radiografia das mais
famosas historias para as crianças arrancando o seu verdadeiro
significado, pois segundo ele, os contos de fadas considerando por pais e
professores como falsos e cheios de crueldade nada mais são para as
crianças, o que há real dentro delas. Os pais temem que os contos
afastem as crianças da realidade, porem o conto trata de um mundo mais
real para as crianças.
Durante anos, os contos permanecem
esquecidos. Depois da psicanálise, desmistificou a inocência e a
simplicidade do mundo da criança, os contos de fadas voltaram por
descreverem um mundo repleto de experiências, de amor, mas também
de destruição.
A psicanálise comprovou que os pais
sentem medo que os seus filhos se identifiquem com monstros, bruxas e
como conseqüências, deixem de amá-los. Porem ao contrario do que os pais
temiam, as crianças podem vivenciar tudo, identificando os pais com os
pais com os personagens dos contos de fadas. Desta forma, foi comprovada
pela psicanálise que os filhos têm sua agressividade diminuída e também
contribui para um melhor relacionamento familiar.
O conto de fadas utilizado de maneira
consciente pode ajudar as crianças a resolverem suas angustias ou seus
conflitos de forma saudável e prazerosa.
A historia deve despertar a curiosidade
da criança para que possa prender sua atenção. Porem, para enriquecer
sua vida deve estimular-lhe a imaginação, ajudá-la a desenvolver seu
intelecto e a tornar claras suas emoções harmonizando suas ansiedades
e aspirações, reconhecendo suas dificuldades e ao mesmo tempo, sugerir
soluções para as dificuldades que o afligem.
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