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terça-feira, 11 de junho de 2013

Lúcifer - O mito



Lúcifer (do latim lux-ferre, "Portador de Luz") é um nome que, devido a uma interpretação errônea do Livro de Isaías, foi frequentemente dado a Satã, líder dos demônios ou anjos caídos, na tradição judaico-cristã, ou mais especificamente tidos como seu nome antes da Queda.

Origem em Isaías:

O nome Lúcifer, era dado à Estrela d'Alva ou Estrela da Manhã, o planeta Vênus em suas aparições matinais. Na Vulgata (versão canônica da Bíblia para o latim ao longo da maior parte da existência da Igreja Católica), essa palavra é usada nesse sentido por duas vezes.

Em uma delas, na segunda epístola de Pedro, 1:19, traduz o grego Φωσφόρος, Phosphoros, que tem exatamente o mesmo sentido literal de "portador de luz" do latim e neste caso é uma metáfora para Cristo ou o cristianismo:
Assim demos ainda maior crédito à palavra dos profetas, à qual fazeis bem em atender, como a uma lâmpada que brilha em um lugar tenebroso até que desponte o dia e a estrela da manhã (Phosphoros, Lúcifer) se levante em vossos corações.
A outra vez está em Isaías, capítulo 14, como tradução do hebraico הילל, Hêlēl, que também significa "Estrela d'Alva", ou mais precisamente הילל בן־שׁחר, Hêlēl ben Shahár, "Estrela d'Alva, filho da Manhã", vertido na Vulgata como Lúcifer qui mane oriebaris (literalmente, "Estrela d'Alva que nascia da Manhã"). Nessa passagem, como o próprio profeta deixa claro, o nome é dado ao rei da Babilônia, cuja tirania haveria de cair:
Quando o Senhor te tiver aliviado de tuas penas, de teus tormentos e da dura servidão a que estiveste sujeito, cantarás esta sátira contra o rei de Babilônia, e dirás:
"Como? Não existe mais o tirano! Acabou-se a tormenta! O Senhor despedaçou o bastão dos perversos e o cetro dos opressores. Ele feria os povos com fúria, vibrando golpes sem interrupção, e governava as nações com brutalidade, subjugando-as sem piedade. Toda a terra conhece o repouso e a paz, todos exultam em cantos de alegria. Até os ciprestes se regozijam de tua queda, dizendo com os cedros do Líbano: Desde que caíste, não sobe até nós o lenhador. Debaixo da terra se agita a morada dos mortos, para receber-te à tua chegada; despertam em tua honra as sombras dos grandes, e todos os senhores da terra, e levantam-se de seus tronos todos os reis das nações".
Todos tomam a palavra para dizer-te:
"Finalmente, eis-te fraco como nós, eis-te semelhante a nós. Tua majestade desceu à morada dos mortos, acompanhada do som de tuas harpas. Jazes sobre um leito de vermes e os vermes são a tua coberta. Então! Caíste dos céus, astro brilhante (Hêlēl, Lúcifer), filho da aurora (ben Shahar, qui mane oriebaris)! Então! Foste abatido por terra, tu que prostravas as nações! Tu dizias: 'Escalarei os céus e erigirei meu trono acima das estrelas de Deus (El). Assentar-me-ei no monte da assembleia, no extremo norte. Subirei sobre as nuvens mais altas e me tornarei igual ao Altíssimo' (Elyon). E, entretanto, eis que foste precipitado à morada dos mortos (Sheol), ao mais profundo abismo (...)"
Preparai o massacre dos filhos por causa da iniquidade dos pais. Que eles não se levantem para conquistar o mundo, e invadir toda a face da terra. Levantar-me-ei contra eles, declara o Senhor dos exércitos, apagarei o nome e o vestígio de Babilônia, sua raça e sua posteridade, diz o Senhor.
A palavra Lúcifer também aparece duas vezes na versão da Vulgata do livro de Jó, com outros sentidos. Uma vez como tradução da palavra בקר ("manhã") em Jó 11:17, o futuro te será mais brilhante do que o meio-dia, as trevas se mudarão em aurora (Lúcifer). Na outra, como tradução de מזרות ("constelações") em 38:32 - És tu que fazes sair a seu tempo as constelações (Lúcifer), e conduzes a grande Ursa com seus filhinhos? Aparece ainda no Salmo 109 (numeração católica) como tradução de שׁחר (Shahar, "manhã"): No dia de teu nascimento, já possuis a realeza no esplendor da santidade; semelhante ao orvalho, eu te gerei antes da aurora (Lúcifer).

Ligações míticas:
Isaías designa Hêlēl (nome da Estrela d'Alva) como filho de Shahar. Este, segundo um poema ugarítico, era o deus da aurora, enquanto seu irmão gêmeo, Shalim, representava o crepúsculo. Ambos eram filhos de El (também chamado Latipan e Dagon) e de Athirat (Astarte), sua parceira divina, ou sua parceira mortal, de nome não conhecido.

O pano de fundo da sua metáfora parece ser a imagem da Estrela d'Alva que surge como a mais brilhante do céu, ofuscando Júpiter e Saturno, mas em seguida é ofuscada, "expulsa" pela luz do Sol. É uma hipótese plausível, ainda que não atestada, que Isaías estivesse citando algum mito cananeu que refletisse essa ideia, narrando que Hêlēl, filho de Shahár, teria desafiado os demais deuses tomando a montanha no Norte onde se reuniam, mas foi arremessado ao abismo.

De qualquer forma, quando os judeus da diáspora fizeram a tradução pioneira do hebraico para o grego, encomendada por Ptolomeu II (287 a.C.-247 a.C.) para a Biblioteca de Alexandria e conhecida como Septuaginta, Helel ben Shahar foi traduzido como Eósforo ou Fósforo, nome da divindade grega que personificava a Estrela d'Alva, chamado Lúcifer pelos romanos e que era filho de Eos, a deusa da manhã, Aurora para os romanos.

Identificação com Satã:

A identificação com Satã aparece pela primeira vez na Vida de Adão e Eva e no primeiro Livro de Enoc, escritos no século I a.C. Neste, Satã ou Sataniel é descrito como tendo sido um dos arcanjos. Porque ele planejou "erigir seu trono acima das nuvens mais altas e se assemelhar a 'Meu poder' no alto", Satanás-Sataniel foi lançado abaixo, com suas hostes de anjos, e desde então ele tem voado no ar sobre o abismo.

Os autores cristãos Tertuliano (Contra Marrionem, v. 11, 17), Orígines (Ezekiel Opera, iii. 356) e outros também identificaram Lúcifer com Satã, que no Evangelho de Lucas (10:18) e no Apocalipse (12:7-10) também foi descrito como tendo sido "arrojado dos céus". O próprio Jerônimo, tradutor da Vulgata, pensava que essa passagem aludia a Satã.

Várias traduções tradicionais e influentes da Bíblia, inclusive a inglesa do Rei James, mantiveram o nome de "Lúcifer" em Isaías, em vez de vertê-lo da forma adequada em vernáculo (Morning Star, em inglês), reforçando a identificação errônea. Assim, Satã veio a ser conhecido como Lúcifer também em obras literárias como A Divina Comédia de Dante Aleghieri e O Paraíso Perdido de John Milton.

Lúcifer na maçonaria:

Como atestam o uso de Lúcifer como metáfora para Cristo e nome de São Lúcifer, santo do século IV, a palavra continuou, ao menos para pessoas educadas em latim ou na cultura clássica, a ser associada primordialmente com a Estrela d'Alva e luz, não com Satã.

Foi com o mesmo sentido que alguns maçons e seus seguidores usaram a palavra "luciferiano" no sentido erudito de "portador de luz", invocando Prometeu, que roubou o fogo dos deuses para trazê-lo aos humanos. Católicos integristas e evangélicos fundamentalistas acusaram os maçons, com base nessa linguagem metafórica, de realmente adorar Lúcifer. A acusação foi originalmente lançada por "Léo Taxil", pseudônimo de Marie Joseph Gabriel Antoine Jogand-Pagès (1854-1907), que admitiu ter sido tudo uma fraude para ridicularizar a Igreja.

Cultos de Lúcifer:

Houve, por outro lado, uma seita herética alemã do século XIII que de fato pregou a adoração de Lúcifer como regente do mundo material, levando ao pé da letra os títulos que lhe são dados na Bíblia de "deus deste mundo" ou "deste século" (Coríntios, 4:4) e "príncipe deste mundo" (João 12:31).

A Igreja de Lúcifer, organização ocultista ativa nos EUA desde os anos 80, vê Lúcifer como símbolo da eterna busca de sabedoria e uma força por trás de certos aspectos da natureza. Foi fundada pelo ex-pastor Robert Stills, que foi sucedido por Frederick Nagash, passou a ser administrada por Frederick Nagash, Satrinah Nagash e Maskim Xul. A organização promove o estudo de várias culturas antigas para aprender com sua sabedoria e incorporá-la em seu próprio repertório.

No ocultismo de Madeline Montalban (morta em 1982), a identificação de Lúcifer com a Estrela d'Alva o identifica com Lumiel, que ela considerava o Arcanjo da Luz. Entre satanistas, ele é visto como Azazel ou a "Tocha de Baphomet". Nesse ensinamento ocultista derivado do cristianismo, afirma-se que o destino de Lúcifer é encarnar-se como humano em certos momentos críticos da história como salvador e redentor da humanidade. Um símbolo desse processo é a Rosa dos Tudor, que pode ser vermelha, para representar Lúcifer, ou branca, para representar Lilith. A cruz em Tau é também um símbolo de Lumiel-Lúcifer e de seu papel como avatar para a espécie humana.

Na Bíblia Satânica de 1969, Lúcifer é considerado um dos Quatro Príncipes Coroados do Inferno, mais especificamente como o do Leste. Senhor do Ar, Lúcifer é tido como Portador da Luz, Estrela d'Alva, Intelectualismo, Iluminismo.

Grupos que se identificam como "luciferianos gnósticos" também reverenciam Lúcifer, mas enfatizam seu entendimento dessa entidade como completamente distinta da que é chamada "Satã".

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