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terça-feira, 11 de junho de 2013

O bem e o mal na filosofia


Em crise, conceitos polarizados perderam sua essência universal entre os
homens e a sociedade
POR CLEBER BAESSA MESTRINER*
A filosofia é, desde sempre, o ambiente de encontro dos mais
variados pensamentos. Ela é a indústria da criação e da modificação
dos conceitos, e um conceito é aquilo que determina o modo como
interpretamos qualquer acontecimento. Necessitamos deixar claro
que não é a filosofia quem diz algo sobre alguma coisa. A filosofia
não diz nada, ela se cria a partir do que é dito por aqueles que com
competência têm o privilégio de serem os transmissores dos mais
elevados modos de aparição do ser, do não ser e do devir, sempre
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Heráclito de Éfeso
Por volta de 490 a.C., escreveu uma
obra que seria intitulada anos depois
como "Sobre a Natureza", da qual
existem mais de 100 fragmentos que
explicam o título de "Obscuro".
Considerado por especialistas um
pensador pré-socrático importante e
influente, formulou de forma definitiva
a questão em torno da unidade
permanente do ser diante da
pluralidade e mutabilidade das coisas
transitórias.
isso expressado em forma de discurso.
É desde a antiguidade que os sábios se ocuparam com as vias do
pensamento, gravando na história um processo de desenvolvimento
ininterrupto da arte de interpretação. Os conceitos de Bem e Mal
estão essencialmente circunscritos nesse processo histórico de
meditação pensante. Bem antes da era cristã, vislumbramos
estudiosos que se detinham com esses conceitos. Não é possível,
contudo, em um curto espaço de tempo, identificar todos os que se
envolveram com a questão do Bem e do Mal. Traçaremos um perfil
histórico, digase de passagem, bastante resumido, da relação
conceitual entre Bem e Mal.
PRÉ-SOCRÁTICO
Encontramos no pensamento de dois présocráticos as duas linhas do desenvolvimento pensante que
desejamos apresentar aqui para os conceitos de Bem e Mal. Em Heráclito de Éfeso (540-470
a.C.), propriamente não está dito que o Mal seja o ser das coisas. Mas está dito que a natureza se
comporta de apenas um modo, a maneira da discórdia: "É preciso saber que o combate é o-queé-
com, e justiça [é] discórdia, e que todas [as coisas]vêm a ser segundo discórdia e necessidade."
Isso que Heráclito diz ser o-que-é-com podemos entender como o caráter comum de tudo o que é. O
caráter comum, portanto, é a discórdia, o combate, conceitos que podemos aproximar ao conceito
Mal, porém, ainda não podemos identificá-los nem confundi-los com este, justamente porque não está
aqui expressa nenhuma oposição entre discórdia e bem. Por isso, ainda não é possível associar o
conceito discórdia com o conceito Mal. Essa discórdia que é o caráter comum de tudo ainda não pode
ser entendida como nenhuma maldade. Uma outra perspectiva de pensamento, diferente dessa
proclamada por Heráclito, encontramos em Parmênides de Eleia (530-460 a.C.). E este diz:
"Necessário é o dizer e pensar que [o] ente é; pois é ser; e nada não é." Parmênides atribui como
caráter comum de todas as coisas o Ser. Uma coisa só pode Ser; não sendo, apenas não é. Aqui
podemos fazer o mesmo que fizemos com Heráclito, porém, com o conceito oposto, o bem. Ainda
assim não encontramos nenhuma bondade. Podemos aproximar o Ser ao Bem, mas ainda não
podemos identificar um com o outro.
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Parmênides de Eleia
Parmênides foi o mais influente dos filósofos que precederam
Platão. Em sua doutrina se destacam o monismo e o
imobilismo. Ele propôs que tudo o que existe é eterno,
imutável, indestrutível, indivisível e, portanto, imóvel.
Parmênides considera que o pensamento humano pode
atingir o conhecimento genuíno e a compreensão. Essa
percepção do domínio do "ser" corresponde às coisas que
são percebidas pela mente. O que é percebido pelas
sensações, por outro lado, é, segundo ele, enganoso e falso,
e pertence ao domínio do não ser. Trata-se de uma oposição
direta ao mobilismo defendido por Heráclito de Éfeso, para
quem "tudo passa, nada permanece". Seu pensamento
influenciou a chamada "teoria das formas", de Platão
(Huisman, D. Dicionário dos Filósofos. São Paulo: Martins
Fontes, 2001).
NIETZSCHE X PLATÃO
Aparentemente, não conseguimos nada sobre a
relação entre o Bem e o Mal. Mera aparência,
pois, é a partir da relação entre a Discórdia
heraclitiana e do Ser parmediano que
vislumbramos em Platão o afastamento primordial
entre os conceitos Bem e Mal, na qual se vê uma
instituição moral normativa de bondade e
maldade. E para nos conduzirmos por esta linha
de pensamento, assumiremos, de agora em
diante, uma postura nietzschiana acerca dessa
problemática.
Para Nietzsche, Platão foi o grande instituidor da
metafísica do pensamento, tal qual entende o
filósofo alemão. E o pensamento platônico se
resumiria assim: tudo o que é deve assumir a
condição de verdadeiro; a verdade é obtida
quando ascendemos ao plano do suprassensível;
o conhecimento verdadeiro provém da alma; o
corpo (o sensível) é o ambiente que obstrui a
possibilidade do conhecimento. Exposto assim, o
plano do suprassensível comporta o verdadeiro, o
ser, agora não somente aproximado ao conceito
Bem, mas identificado com ele. O Ser se identifica
com a verdade que se identifica com o Bem. Do outro lado, o sensível, âmbito apenas da opinião, do
não ser, agora também não apenas aproximado ao conceito Mal, mas identificado com ele. Assim são
separados dois ambientes: o mundo verdadeiro e o mundo falso; o mundo do bem e o mundo do mal.
Seria essa, portanto, ante a perspectiva nietzschiana, a primeira vez em que Bem e Mal expressam,
respectivamente, Ser e Não Ser (Devir). Platão, nos parece, marca o período embrionário da luta entre
bem e mal na filosofia. Luta que chega à fase adulta quando do desenvolvimento do cristianismo, a
chamada era medieval. Aqui temos uma nova fase do conceito. A caracterização que encontramos em
Platão é sutilmente modificada para atender aos propósitos morais do cristianismo. O Bem, não
apenas se identifica com o Ser, mas com Deus, um único Deus; e o Mal, agora não apenas se
identifica com o Não Ser, mas com o Diabo, ou seja, com a falta de Deus. Nesse período,
encontramos vários expoentes de grande importância, como Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino,
entre outros, que, em sua maioria esmagadora, eram defensores do Ser=Bem=Deus e condenadores
do Não Ser=Mal=Diabo (Pecado).
FÉ E RAZÃO
No período medieval, além desse sutil desenvolvimento dos conceitos Bem e Mal, vimos também o
desenvolvimento de uma luta paralela a esta, que conflitava para alcançar a supremacia à ascensão ao
bem supremo. Esse período do pensamento ficou marcado pelo conflito estatutário entre Fé e Razão.
Não houve consenso entre os sábios da época; ainda hoje não há entre o povo. Contudo, a razão se
sobressai e a fé não merece nenhum tratamento significativo quando o assunto é o conhecimento. Eis o
advento da era moderna, inaugurada por Descartes, que institui o estatuto do Sujeito. Nota-se, aqui,
mais uma modificação do conceito Bem e Mal. Tanto a bondade quanto a maldade não mais são
procuradas em Deus ou no Diabo. Mas Bem e Mal dependem da racionalização do homem. Um
homem que usa a razão pratica o bem; o que não usa, pratica o mal. Kant é o grande nome dessa
fase, quando, com sua filosofia, institui o imperativo categórico, um princípio retirado da razão em suas
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atividades práticas, um princípio extremamente normativo. Isso significa que a razão tem a condição de
nos dirigir de um modo padronizado, seguindo uma máxima universal de comportamento, enquanto um
"tu deves", diferente, mas não contrário de um "eu quero". Esse "eu quero" deve ganhar um estatuto
universal de dever, de ser bom para todos a partir do que é bom pra mim. Assim, o dever é sentido
como algo natural, bom, e o querer que não seja um imperativo da razão prática de modo universal,
que possa não ser querido por alguém em particular, deve ser evitado, não querido, pois é mal. Uma
característica importante da filosofia kantiana, e que não poderíamos deixar de dizer, é que esse Bem,
ou seja, esse Ser, esse Deus, não são passíveis de conhecimento como coisas em si, mas ainda é
possível decidir-se por eles. O que não mais acontece com o advento do positivismo alemão. O que
começa com Kant é desenvolvido e continuado por Fichte, Schelling, Hegel e Schopenhauer, porém,
com outra sutil modificação conceitual. O sistema kantiano enfatizou a impossibilidade de conhecimento
do mundo verdadeiro, ou seja, do Bem; o idealismo alemão confiscou qualquer ímpeto que se
decidisse por esse desconhecido. Assim, o positivismo nos leva a uma espécie de depressão
existencial. Todo o mundo que tínhamos pra viver, o mundo de conflito entre Bem e Mal, que não pode
ser conhecido, tampouco pode ser escolhido. É o enterro vivo de qualquer resquício de fé que a razão
carregava ocultamente em si.
NOVA ÓTICA
O que acontece após essa racionalização do comportamento é o que podemos chamar de inversão do
platonismo, segundo a perspectiva nietzschiana que adotamos desde o início. Nota-se que todas essas
modificações e caracterizações dos conceitos Bem e Mal são desenvolvimentos daquela primeira
caracterização realizada por Platão. Resta, portanto, ir além de um pensamento que nos leva a
considerar o mundo sob a ótica de bem contra o mal. É o que Nietzsche propõe ao escrever um livro
que se intitula "Além de Bem e Mal", a supressão do Bem, ou seja, daquele mundo verdadeiro que
desejava Platão. Mas não é só isso. Nietzsche também suprime o conceito Mal, o mundo falso
platônico. Assim, se tanto o Bem é suprimido, deixa de existir como algo que necessariamente deva
existir, o seu oposto, o Mal, também cessa sua existência. Para Nietzsche, portanto, o homem deve
criar um novo jeito de dizer o mundo, uma maneira nova que vá além da dicotomia e do conflito entre
algo que venha do Bem e algo que venha do Mal. Não há nada que garanta que algo seja uma bondade
ou uma maldade em si, sem antes haver um conflito de interesses. O que podemos notar a partir do
pensamento de Platão, é que nossas atitudes e nossa ética decidiam-se por conceitos caracterizados
previamente a uma ação, sendo Bem e Mal algo já existente e norteador dessas mesmas ações.
Nietzsche propõe um retorno ao pensamento que encontramos nos pré-socráticos, em que as atitudes
eram avaliadas posteriormente a sua execução, e não o contrário. Assim, Bem e Mal podem ser
caracterizados como algo circunstancial. Dois ou mais atos, aparentemente semelhantes, podem
receber uma avaliação diferenciada, de acordo com a circunstância do acontecimento.
Podemos concluir, a partir do que foi dito, é que, para a filosofia, os conceitos Bem e Mal passam por
um período de crise. Sua validade enquanto conceito se sustenta de modo circunstancial. Ou seja,
Bem e Mal não são nada de absoluto, de universal. É por isso que vemos quase todos dizendo:
"Estamos perdendo nossos valores", "Ninguém conserva as tradições". O que parece é que esses
conceitos chegaram ao ápice de suas caracterizações e ainda assim o ser humano não se tornou
"melhor" do que poderia ser. Podemos dizer ainda que antes, quando Bem e Mal eram absolutos, havia
um conflito por algo declarado. Tinha-se "conhecimento" pelo o que se lutava. Hoje em dia, por sua vez,
há ainda uma luta, mas não há nem mocinho, nem bandido.

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