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terça-feira, 25 de junho de 2013

O Cristianismo Pós-Apostólico e Sua Herança Pagã



Bem no final da Revista Adventista de junho de 2004, na seção "Reflexões", o articulista Reinaldo Siqueira, professor de teologia no Salt de Engenheiro Coelho, apresenta no artigo, "O evangelho e os judeus" o motivo, segundo sua visão, que dificulta a aceitação do Cristianismo pela nação judaica. Para o articulista, a maior dificuldade que um judeu encontra para aceitar a religião cristã,  é "a rejeição da Lei no seio cristão, especialmente na mudança do sábado para o domingo."  Para referendar sua afirmação, o articulista afirma que ela esta baseada em "teólogos e historiadores."
O propósito deste artigo não é discordar do professor Reinaldo Siqueira e muito menos corrigi-lo. O objetivo deste artigo é ampliar a compreensão do assunto tratado pelo professor Siqueira, pois ao nosso modo de ver, dois outros motivos, tão importantes quanto a mudança da Lei, não foram apresentados. Antes de apresentar os outros dois motivos que faltaram no artigo do professor do Salt, para uma mais clara compreensão do assunto, é de extremo proveito perceber como foi o encontro da mentalidade cristã com a mentalidade pagã, e qual foi o resultado deste encontro.  
Como sabemos, o Cristianismo nasceu dentro das fronteiras do Império Romano, dentro do seio da religião judaica. O Cristianismo é herdeiro dos profetas, da noção de tempo linear, da promessa de um Messias, da crença na criação especial do mundo, da idéia do fim do mundo e da instauração de uma nova terra, entre muitas outras tradições religiosas dos judeus. Resumindo, o Cristianismo ao nascer, era como um prolongamento do judaísmo, o encontro do tipo com o antítipo que previa  o abandono de coisas específicas (rituais de sangue no templo, circuncisão, festas comemorativas) do sistema judaico. Assim, não é surpresa que os judeus no início da pregação evangélica, aceitassem com alegria a nova fé.
O Cristianismo primitivo preservou os alicerces do judaísmo, que eram a Lei, a distinção entre animais limpos e imundos, a lembrança da saída do Egito, a crença no fim do mundo e na recriação de todas as coisas, com a ressurreição dos fiéis e, principalmente, a crença em um único Deus pessoal.  

Raízes abandonadas
Para convencer seus irmãos judeus, os primeiros evangelistas judeus-cristãos, não tinham outro argumento, senão o livro da Lei e os profetas. No início, não havia incompatibilidade inamovível entre o Judaísmo e o Cristianismo. Quais os motivos que levaram o Judaísmo e o Cristianismo à incompatibilidade? Seguramente, foram as mudanças que o Cristianismo sofreu ao se encontrar com as tradições greco-romanas dentro do Império Romano e com as tradições religioso-culturais trazidas pelos povos que forçavam as fronteiras romanas.  
"Na história das civilizações, como na dos indivíduos, a infância é decisiva. Muito, senão tudo, se joga então. Entre o século V e o século X nascem hábitos de pensamento e de sensibilidade, temas e obras que formam e informam as futuras estruturas das mentalidades e das sensibilidades medievais.(...) Isso é especialmente sensível na Alta Idade Média ocidental. E a mais evidente novidade cultural está nas relações que se estabelecem entre a herança pagã e o contributo cristão - supondo, bem longe da realidade, como se sabe, que tanto um como outro formaram um todo coerente. (...) Devemos dizer dois adversários? O debate - e conflito - entre a cultura pagã e o espírito cristão encheu a literatura paleo-cristã; encheu depois a literatura da Idade Média; e, em seguida, encheu muitos trabalhos modernos dedicados à história da civilização medieval. E é verdade que ali se opunham dois pensamentos e duas sensibilidades - como hoje em dia se opõem o marxismo e a ideologia burguesa. A literatura pagã, em bloco, é na Idade Média cristã um problema; mas a questão já no século V, estava de fato, resolvida. Até ao século XIV haverá extremistas de duas tendências opostas: aqueles que proscrevem a utilização, e mesmo a leitura, dos autores da Antiguidade e aqueles que largamente os usam de maneira mais ou menos inocente. (...) A atitude fundamental, porém, fora definida pelos padres da Igreja e perfeitamente formulada por Santo Agostinho, que dizia que os cristãos deviam recorrer à cultura da Antiguidade do mesmo modo que os judeus tinham recorrido aos despojos dos Egípcios. ' Se os filósofos (pagãos) exprimiram, por acaso, verdades úteis à nossa fé - em especial os filósofos platônicos, - não só não há que recear tais verdades como é preciso arrancá-las para nosso serviço, a esses detentores ilegítimos.' "  -- LE GOFF, Jacques. A Civilização do Ocidente Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, Vol I. p.149-150.
Segundo Jacques Le Goff, maior especialista mundial em Idade Média do mundo, os padres da Igreja no século IV, foram buscar na filosofia pagã, "verdades" que poderiam ser "úteis" ao Cristianismo. Os padres da Igreja pós-primitiva entraram tão fundo no pensamento pagão, que segundo uma lenda, S. Jerônimo "sentiu-se um dia chamado  em sonhos por Deus, que severamente lhe disse: '...Ciceronianus es, non christianus' - Alcuíno terá acerca de Virgílio um sonho semelhante. Jerônimo define, porém, o mesmo compromisso que Agostinho: que o autor cristão utilizasse os seus modelos pagãos como  os judeus do Deuteronômio tinham utilizado as prisioneiras de guerra, a quem rasparam a cabeça, cortaram as unhas e deram roupas novas para depois as desposar."  LE GOFF, Jacques. p. 150.  
Ainda segundo o mesmo autor, "o pensamento antigo só humilhado, deformado e atomizado pelo pensamento cristão pôde sobreviver na Idade Média. Obrigado a recorrer aos serviços do inimigo vencido, o cristianismo viu-se constrangido a desmemoriar o escravo prisioneiro e a fazê-lo trabalhar para si no esquecimento das suas próprias tradições." LE GOFF, Jacques. p. 151.  
O Cristianismo, graças ao trabalho dos teólogos cristãos pós-apostólicos, abandonou suas origens judaicas e sincretizou-se com a cultura e tradições pagãs.  
O teólogo pós-apostólico do Ocidente maior responsável pelas influências do paganismo no seio do Cristianismo, foi o dito "Santo Agostinho". Considerado o maior doutor da igreja e mestre do Ocidente.  Santo Agostinho, nascido em 354 na província romana da Numídia, filho de pai pagão e mãe cristã, morreu em 430 aos 76 anos de vida. Santo Agostinho durante sua vida, transitou por todas as correntes da filosofia pagã indo do maniqueísmo ao neoplatonismo. Foi no neoplatonismo que Agostinho encontrou as bases sobre as quais iria formular seu pensamento religioso, principalmente a sistematização do dogma trinitariano.
"Enquanto Agostinho, já prestes a fazer-se crente, forcejava por superar sua ignorância e dissipar suas dúvidas angustiantes, ocorreu um fato decissivo para seu desenvolvimento futuro: o encontro com o neoplatonismo. Embora muitas coisas lhe parecessem obscuras, a sua fé, conquanto ainda imperfeita, não deixava de fortalecer-se dia a dia. Em conseqüência disso, o encontro com o neoplatonismo, que lhe proporcionou uma metafísica do espírito, foi grandemente proveitoso para o jovem Agostinho." -- BOEHNER, Fhilotheus. GILSON, Etienne. História da Filosofia Cristã. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. p. 146.  
Agostinho foi buscar no pensamento neoplatônico as bases para o Dogma da Trindade.  
"A trindade platônica. Platão concebe a existência de três elementos eternos, os quais caracterizam sua ontologia:  (1) idéias arquétipas, (2) Demiurgo, (3) matéria eterna. De futuro, o neoplatonismo, sobretudo o de Plotino, dará aos três elementos uma sequência dinâmica, com três processões, que serão adotadas pelos teólogos cristãos para racionalizar sua crença na multiplicidade trina das Pessoas divinas." www.logoshp.hpg.ig.com  
"Para Platão três princípios eternos constituem o todo, - as idéias separadas, o Demiurgo, a matéria.  
Por acréscimo dão-se as formas criadas, - ditas sombras enquanto se modelam nos arquétipos, - com vistas a ordenar o matéria informe todavia eterna, de onde resulta o cosmos e as almas que nele vivem.  
Os três princípios eternos constitutivos do todo se apresentam como sendo uma Trindade. Futuros desdobramentos poderão sintetizar esta Trindade, reduzindo-a à unidade. Ou, inversamente, poderão desenvolvê-la para estabelecer em Deus a Trindade das pessoas.  
Não sintetizou Platão os três princípios, como seria depois fácil de imaginar, que outros o fizessem. Por exemplo, as idéias separadas poderiam situar-se em um só ser, chamado Deus.  
Com referência à matéria, poderia ser concebida como ser criado, do mesmo modo como as formas corpóreas e as almas, entretanto a matéria eterna em Platão é senão o eco do dualismo, irredutível da matéria e espírito, peculiar ao orfismo e aos cultos vindos do Oriente persa.  
Na concepção platônica sobre a realidade total se encontra latente a crença da Trindade das pessoas divinas." www.cfh.ufsc.br  

A 2ª Doutrina Espúria
Já no IV século, o Cristianismo havia abandonado suas heranças judaicas mais significativas: o sábado, quando Constantino, imperador romano, o troca pelo domingo, dia do deus sol; a crença em um e único Deus pessoal reconhecido na pessoa do Pai. Como se já não fosse suficiente, o Cristianismo que se afastou de suas origens judaicas, adota também do paganismo greco-romano, a crença na imortalidade da alma.  
"De antemão podemos avançar o seguinte dado que parece ser inquestionável: Não pertence ao querigma fundamental do Novo Testamento o tema da imortalidade da alma. O Novo Testamento conhece e professa sua fé na ressurreição dos mortos. A filosofia grega, nomeadamente o platonismo, sob cuja influência esteve a jovem igreja missionária no mundo helênico, conhece a imortalidade da alma. Mas não conhece nem pode imaginar uma ressurreição. A reflexão na teologia cristã conciliando os aut-aut com um et-et formulou a seguinte proposição: a alma é imortal. Depois da morte do justo, separada do corpo, ela é julgada por Deus e goza de sua presença até o fim do mundo quando será novamente re-unida ao corpo agora ressuscitado para com ele gozar eternamente do comunhão com Deus. A doutrina da imortalidade da alma dos gregos foi completada com a outra bíblica da ressurreição dos mortos. Com isso se afirma:  
a- a morte não é total: atinge apenas o corpo do homem;  
b- a ressurreição também não é total: atinge tão somente o corpo..." -- BOFF, Leonardo. A Ressurreição de Cristo, A Nossa Ressurreição na Morte. Petrópolis: Vozes, 1986. págs. 66, 67.  
Como demonstramos, não foi somente a mudança do sábado para o domingo que afastou os judeus do Cristianismo. O afastamento foi provocado pelo contínuo a progressivo abandono da herança judaica do Cristianismo que foi realizado pelos  cristãos vindos do paganismo.   
A herança pagã que hoje faz parte da mentalidade cristã, é extensa e fácil de se verificar. O exemplo mais enfático é o Natal, com sua imagem do papai-noel e a árvore de natal, costumes e tradições declaradamente pagãs, sem falar nas festas juninas aos santos católicos, como substitutas das festas pagãs da Europa antiga.  
O regime alimentar judeu com a abstinência de animais imundos, foi substituído pelo Cristianismo dos teólogos pós-apostólicos pela permissão de  comer tudo que se move sobre a face da terra, inclusive seu sangue e gordura. O batismo cristão original foi abandonado, a santa ceia original foi abandonada, a páscoa foi transformada em comércio pelos cristãos e os cristãos, agora em sua maioria ex-pagãos, quando se sentiram fortes, voltaram suas armas contra aqueles que ainda queriam preservar as heranças judaicas do cristianismo, quer fossem judeus ou não. Os cristãos, agora já embriagados com as tradições pagãs, fizeram e fazem dos judeus seus inimigos mortais e a história está ensangüentada com o sangue dos judeus que foi derramado pela intolerância religiosa dos falsos cristãos. 

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